quarta-feira, 31 de março de 2010

Meet me halfway



A vida tem sido tão overwhelming de coisas para fazer, coisas para ver, sentir e experimentar; cultivar e descartar o que não serve mais, que apesar do arrebatamento ter em si implícita a urgência, acho que halfway está bom por ora. But I can go further than this.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Eros e Psiquê


Visitei esta obra ao vivo, e ainda me surpreendo como a arte nos toca (pelo menos a quem está vivo). Só tinha tido uma sensação assim ao ver a Pietà, imagem e sensação que me acompanham há anos. Não entendo nada de arte, nem vou me atrever a discutir, mas sei o que sinto. E o impacto ao me deparar com esta à minha frente foi um desses raros que temos em uma vida toda - epifânico. Parece que a princípio este seria Zéfiro, mas depois de exposta a obra, Rodin mudou o nome para Eros e Psiquê. Não vejo como poderia ser de outra maneira. Nosso imaginário coletivo, os arquétipos, as referências, tudo associa Eros e Psiquê ao amor. Mas aqui é que estão as observações que não querem calar. Venho sentindo e pensando há dias, e foi então olhar e compreender. Muito se diz sobre a diferença entre amor e paixão. Muito já se disse e ainda gerações e gerações vão dizer. O que é interessante é que amor é sempre o sentimento nobre, elevado, paixão sempre associada a desatino, fugacidade, justificativa de crimes, é uma marginalizada. No entanto, quando se diz, fulano está apaixonado, pensa-se que ele ama alguém. As palavras são imprecisas. Olhando Eros e Psiquê retratados por Rodin, não posso pensar em amor, pelo menos não como ele é definido em geral, então ou desencaixo da definição ou arrumo outra para mim. Paixão se encaixaria melhor se ela for mesmo o que dizem dela, mas mesmo assim, ainda cabe mais no sentimento do que a palavra expressa. Sem mencionar a perfeição da obra, talvez pelos detalhes magníficos, por ser tecnicamente perfeita, ou por motivos outros que não cabe discutir, o impacto que ela me causou foi de tirar o fôlego. Alguma coisa exala dali que tentei nomear e amor e paixão não se prestaram ao papel. Eu vejo aqui uma coisa que chamei de arrebatamento, a palavra que mais atendeu tanto ao que eu senti ao ver como o que transpira da obra em si. Mesmo sem pensar nos retratados, sem ter a referência de Eros e Psiquê, o que transparece ali é uma entrega, um abandono que fica difícil definir. Quando penso em paixão penso em algo que me tira a razão e não gosto disso, quando penso em amor penso em paixão precipitada no concreto, no dia-a-dia, e as imagens dantescas de casa-família-filhos-almoçodedomingo-tédiomortal-fimdoamoredorespeito saltam aos meus olhos. Mas o arrebatamento. Este sim me agrada. O que aparentemente pode parecer superficial estende-se em camadas pele adentro, mas sem passar pela pieguice de sentimento dramático, sem instintos criminosos, vai direto na veia. São ondas de puro prazer de estar viva e compartilhar esse prazer com alguém. É físico, mas alcança a alma. É um momento fora do tempo, é o simples compartilhar que não está inserido em nenhum contexto, é por ser, sozinho, auto-suficiente, independente de convenção, do eu deveria, do mas, do e depois. O arrebatamento não pede palavras, trajes especiais, hora marcada, definições, ele apenas é. Só me resta me deixar ser.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Visões falhas e precisas demais


Dias seguidos de vida real intensa atropelam a viabilidade de sua descrição, mas não suprimem a necessidade. Nesses dias descobri coisas a respeito dos outros e de mim mesma, relacionadas aos outros e completamente soltas no nada. Uma delas é que nos enganamos com a maior facilidade, em todos os sentidos. Às vezes para diminuir a dor, às vezes pondo dor onde ela não existe, mas talvez estejamos tão acostumados com ela que precisamos dela para justificar o nonsense de viver. A cegueira voluntária que presenciei não me surpreendeu, aliás pouquíssimas coisas ainda me surpreendem, muitas ainda me chocam, mas infelizmente mínimas são as que me arrancam um genuíno “oh”. Eu me pergunto então se voluntariamente não ver determinadas coisas funciona, porque se é voluntário, sabemos que estão lá, e escolhemos não ver. Mas para onde vão? Pra baixo do tapete? E esse embaixo do tapete em algum momento não fica tão cheio que não dá mais pra disfarçar? Quais são os tapetes que estamos pondo em cima das nossas cegueiras voluntárias? Presenciei um tapete estufado de coisas querendo pular em cima de mim, e saí correndo para o outro lado, para tapetes que estão disfarçando melhor. Porque é assim, cada um com seu tapete. E não quero estar perto de tapetes prestes a explodir. Eu particularmente me vi achando dores onde elas realmente não estavam, acho que o appeal do drama ainda é muito forte, ou a paciência é que ainda é muito curta. Ainda bem que fiquei do lado confortável da questão, vi o que não estava lá, e quando percebi que estava perdendo tempo, ainda tinha tempo de sobra pra ser usado, e muito bem usado, abusado, experimentado, sorvido até a última gota. Os tapetes do cego deixei com o legítimo dono, que faça bom proveito.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Friends in (twisted) minds


No meio das confusões todas que são simplesmente parte de viver, fico feliz de ainda ter quem compartilhe da insanidade.
Ela
me diz:
"Os últimos dias foram medonhos. Adoro essa palavra... medonho. Ela torna o que já é medonho mais medonho ainda, só por causa do jeitão dela. Mas enfim, foram medonhos. Pensei nas coisas todas sobre as quais você fala, as opções, as faltas de. As certezas (poucas), as falhas (imensas), os abismos (intransponíveis, até que o Harrison Ford de minh’alma lembre do conceito de fé absoluta e dê o primeiro passo rumo ao nada — lembra dessa cena? Não xingue nem a mim e nem aos meus filmes de menino, por favor). Dias medonhos, coisas demais para fazer lá fora, tempo de menos para ficar aqui dentro."
Ao que eu respondo:
"As minhas últimas opções têm me mantido, muitas delas não gostei de fazer, muitas coisas me fazem falta, outras por outro lado optei certo, não fazem falta nenhuma e as outras possibilidades, aquelas pelas quais decidi, foram muito melhores. Fiz um upgrade na minha vida. Eu também gosto de "medonho", deixa um gosto de lobisomem na monotonia do dia-a-dia. Ponha uns lobisomens na sua rotina, abra umas caixas de pandora, nada, nada nos deixa impunes, mas nada se compara ao gosto de viver, ainda que seja amargo. Se os abismos estiverem intransponíveis jogue-se lá dentro deles, depois você arruma um jeito de subir do outro lado. Acredite-me. Sempre tem um jeito, e não interessa como vai ser, porque o que interessa é agora, é hoje, e para que fique mais suportável, há que se ter os filmes da infância, os da adolescência e os atuais, os livros, e for god's sake, temos que ter uns aos outros. Mas vou repetir, amanhã, depois, mais tarde, é um tempo que potencialmente não existe, porque eu estou respirando agora, mas daqui a uma hora não sei, então use hoje, agora, o arrebatamento, dê o segundo passo em direção ao abismo, aquele onde o outro pé fica sem apoio e não resta mais nada senão aprender como funcionam as asas durante a queda. Depois você vê como fica."
Ao que ela diz "amém" e nós continuamos como se nada tivesse acontecido e vamos fazer um programa cultural pra variar, com direito a café, porque viver nessa intensidade sem cafeína definitivamente não dá.

terça-feira, 16 de março de 2010

To be or not to be



"Somos sujeitos não tanto por aquilo que nos fundamenta, mas pela possibilidade de deixarmos de ser o que nos fundamenta sem nos perdermos." Nilton Bonder, in "Tirando os sapatos"

A questão fundamental que fatalmente acabamos levantando um dia é a da identidade. Desde cedo os processos de crescimento físico e psicológico incluem - aberta ou veladamente - as perguntas nossas velhas conhecidas - quem eu sou? de onde vim? para onde vou? À medida que crescemos vamos nós mesmos construindo quem somos, e descobrimos que não nascemos sendo, mas sim vamos nos tornando. Isso mostra que o processo é ele mesmo o fim, não estamos nunca prontos, hoje sou uma, amanhã outra. A língua portuguesa é muito feliz em ter dois verbos, ser e estar, para uma coisa que em outras línguas é uma coisa só, to be, por exemplo. Como se vive sem uma distinção entre ser e estar? Como transformar o processo em estanqueidade, em definitivo, acabado - sou?
Vem daí a dificuldade em definir a identidade. Quando me concluo - sou - automaticamente elimino todas as outras possibilidades. Se estou, é mais seguro, posso não estar mais, mudei de idéia.
Ser é uma prisão. Se estou furiosa com alguém, isso passa, mas se sou uma pessoa furiosa, me prendo em labirintos solitários de ódio. Se estou apaixonada, amanhã posso desapaixonar, porque isso não me define. Mas se sou apaixonada por alguém, dou a esse outro poder sobre a minha essência.
E já que falei de ódio, ele só resulta mesmo da identidade exacerbada, a radical. Eu me identifico tanto comigo mesma que não aceito o outro, em nenhuma forma da identidade dele, diversa da minha, e portanto, inválida. Só os meus fundamentos valem. Mas é tão empobrecedor...
Porém, se "estamos" nossos fundamentos: crença, opinião, escolha, manifestação, preferência; ao invés de os "sermos", abrem-se infinitas possibilidades outras, o mundo ganha horizontes por todos os lados, enxergo cores novas, descubro o outro e todos os prazeres que a alteridade proporciona. E continuo eu mesma, eu não fui a lugar nenhum, não perdi nada, nem a mim mesma, não diminuí, não tive nenhum prejuízo.
Estando acrescento o outro à minha vida e vou construindo o que É.

*O Narciso é o de Caravaggio

quarta-feira, 10 de março de 2010

Possibilidades


(isto vem daqui: http://imgs.xkcd.com/comics/freedom.png)
Não é genial isto? Quem já não teve essa sensação de ver a outra possibilidade em tempo real? Isso acontecia comigo o tempo todo na faculdade, no meio das aulas de literatura, eu pensava, e se eu der um grito agora? Essa provavelmente quase todo mundo pensava. Mas imagine só todas as possibilidades que teríamos e o potencial delas serem mesmo "life changing", e em geral imaginamos coisas que acabariam em prisão, internamento em hospital psiquiátrico, segregação social, banimento da vida em comunidade. Por que tudo o que é mais divertido de imaginar é o não aceitável? No meio de uma reunião importante, aula com o professor mais disputado, conversa díficil, se caímos na digressão mental, raramente pensaremos em alguma coisa "normal" do tipo "e se eu tomasse um café agora", nãaaaaaaao, vamos sempre pensar em e se eu gritasse, e se eu chorasse, e se eu saísse correndo, e se eu tirasse a roupa, e se eu me deitasse e dormisse, e se eu simplesmente largasse tudo aqui e saísse andando e deixasse todo mundo falando sozinho, essas coisas. Mas e quando trata-se de coisas que realmente mudam a vida da gente? E se eu largasse esse emprego? E se eu mandasse essas pessoas que me irritam às favas? E se eu acabasse de uma vez com esse casamento que já não existe há anos? E se eu tivesse um bebê? E se eu tivesse outro bebê a uma altura destas? E se eu fosse embora sem avisar ninguém? E se eu fosse embora mesmo avisando todo mundo? E se eu assaltasse um banco? E se eu matasse alguém? E se eu fugisse e nunca mais ninguém ouvisse falar de mim? Bem. Obviamente não chegaremos a transformar esses "e se" todos em "daí eu + verbo no passado", porque simplesmente vivemos na caixinha, vivemos em sociedade e há regras. Gostando ou não delas, se quisermos continuar a viver em sociedade, algumas pelo menos temos que respeitar, se não quisermos podemos chutar tudo, mas há preços que talvez sejam altos demais. Então bom mesmo são as pequenas coisas que conseguimos fazer, os socos que conseguimos dar sem causar grandes comoções, só escândalos pequenos. Eu proponho um soco, grito ou ação metafórica por dia, e em alguns dias eles nem precisam ser metafóricos. Nesse ritmo, um dia a gente acorda na outra possibilidade.

sábado, 6 de março de 2010

Up in the air, or down to the floor?


Fui ver “Up in the Air”. Preparem os impropérios, mulheres – o George Clooney não é bonito como dizem e está bem acabadinho. Mas, ele é ótimo naquilo que faz, vai daí que, bonito, feio, gay (sim, já ouvi essa, sei lá), hetero, whatever. Ele mostra-se à vontade, e a uma altura dessas na carreira é o que se espera de um bom ator. O filme é leve, mas muito, muito interessante. Os homens cheios de si como Ryan Bingham são muito engraçados. Eles não cabem dentro deles mesmos, se esparramam, tomam espaços que nem são deles, e de tão acostumados a pessoas que abrem caminhos, acham que tudo na vida pode ser conseguido com cartões de fidelidade. E aliás, o objetivo máximo do Ryan – vejam só, ladies and gentlemen, que objetivo para se ter na vida – é um número absurdo de milhas acumuladas. E ele mesmo diz que o processo é o que importa, as milhas são seu objetivo primário, e o que ele puder fazer para acumular milhas, seu modo de vida – o homem gosta de comida de avião. E o homem que é tão esperto, tão resolvido, prático, que arruma milimetricamente a mala, e tem tanta milha aérea acumulada, não acumulou milha nenhuma em outras áreas, tanto que acaba caindo em uma armadilha que nem viu de onde vinha – engano de principiante. Interessantíssima é a troca dos papéis que normalmente são clichê – aqui a mulher tem um comportamento que teoricamente é masculino. E ele se comporta como “mulherzinha”. Mas ele sabe, percebe o que está acontecendo, vai vivendo o processo, vai deixando acontecer, deixa a jovenzinha inexperiente falar o que quer, inclusive sobre a marcação de território que os homens gostam de fazer, que está na cena acima – hilária por sinal – fica nostálgico na festa de casamento da irmã, mas seu número de milhas nessa área está bem modesto, e ele acaba resolvendo ter um arrebatamento que acaba em desastre. É uma surpresa agradável o final que não se encaixa no esperado – ou desejado, porque tendemos a querer finais felizes, sem entrar no mérito de feliz para quem. Penso que as mulheres tendem a gostar do final, os homens nem tanto, especialmente os bem resolvidos, bem posicionados, com milhares de milhas acumuladas. Separar as coisas é bom. Deixá-las separadas é difícil. Os entremeios, cantos obscuros, imprevistos da jornada, entrelinhas, coisas com tentáculos que vão se estendendo, se derramando, invadindo, são a parte divertida.

sexta-feira, 5 de março de 2010

As cerejeiras, a linguagem e o veneno


O copo de veneno me encara de frente. Me desafia, me olha nos olhos e se oferece sem pudor. Assisti ao filme “Cerejeiras em Flor”, de fotografia maravilhosa, um alento aos olhos e aos ouvidos que ouvem uma língua diferente da hollywoodiana habitual. E uma vez que o filme pontua a efemeridade, a transitoriedade da vida, achei que ouviria a palavra Vergänglichkeit, pois ela fica presente o tempo todo, mas não sei se ela chega a ser dita. Grande parte é falada em inglês, não há como fazer um alemão se comunicar com uma japonesa de outra maneira, apesar da comunicação entre eles ter ido muito além das palavras. É um inglês com sotaque, porém. E ainda ouvimos um pouco de japonês. Essa Babel me fez pensar em como acho estranho os relacionamentos em línguas diferentes. Fica um certo estranhamento no ar, para mim só é possível um relacionamento de verdade na nossa língua materna, as nuances, as palavras que nos são familiares desde que começamos a falar já são impróprias para traduzir as coisas indizíveis que tentamos em vão trazer para o palpável. Mas aprendi que há outras vias de comunicação, infinitas, caminhos alternativos mudos. Vergänglichkeit me marcou por um poema do autor barroco alemão Hoffmannswaldau lido há anos idos, que não esqueci nunca, essas coisas estranhas que não se sabe por quê grudam na memória da gente, e um dia descobrimos porquê. O poema é o Vergänglichkeit der Schönheit, A transitoriedade da beleza, a beleza que a morte fria destrói, que enfim é a transitoriedade de todas as coisas, das cerejeiras que ficam maravilhosas floridas, mas por poucos dias, de tudo que somos capazes de fazer, sentir e causar, tudo tem fim, o que é material envelhece, enferruja, decai, o que não é arrefece, fica amargo, ou simplesmente finda, porque é o destino de tudo – passar. Então pulo lá para Shakespeare, para o Carpe Diem, a sede de viver hoje, intensamente, nem que a sede seja tão premente que leve a tomar o copo de veneno, pois tudo nada mais é que sonho de uma noite de verão. Estendo a mão.

terça-feira, 2 de março de 2010

A outra coisa


Eu abro os olhos e lá está ela de novo - a surpresa. Quando eu achava que estava condenada a repetir padrões para sempre, não sei se é trabalho árduo de aperfeiçoamento dando resultado, ou simplesmente amadurecimento, evolução. Crescer é invariavelmente doloroso, ninguém passa por metamorfose alegre. Mas quando começamos a colher os frutos, é uma grata surpresa. O fato do drama ter se ausentado - o que é estranho, devo admitir, mas agradavelmente estranho, posso garantir - não significa que levou com ele a intensidade, o "wow factor", o "you take my breathe away". A diferença é que "you taking my breathe away" não significa necessariamente que eu morro, porque ninguém levou de mim, eu entreguei voluntariamente. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. E a outra coisa é tão boa de sentir - é hoje, é este momento, é agora, é o convite inesperado, as coisas que fluem como são, não como devem, deveriam ou poderiam ser, sem sangue, suor e lágrimas, mas com maturidade, vontade, liberdade. So, that's what it feels like to be free. Amanhã, assim como nunca e para sempre, é um tempo que não existe. Mesmo porque hoje é bom o suficiente para que amanhã fique lá onde é o lugar dele. E sem o peso do amanhã, fica muito mais fácil bater as asas depois de sair do casulo.