domingo, 28 de setembro de 2014

Cozinha



Cof, cof, cof, vou afastando a poeira que se acumulou aqui depois de meses de ausência, tempos difíceis, que como sempre resultaram em crescimento.

Eu não sei cozinhar. Isso nunca foi uma questão até um certo tempo atrás quando descobri que só entrava na cozinha para o "básico" se fosse para a cria. E voilá - cozinhar é um ato de amor. Isso não basta ouvir, tem que ser vivenciado, dos dois lados. As pessoas que me amam também cozinham para mim, e demorei para receber o amor, porque não entendia a extensão do que é misturar ingredientes na medida certa e não dar certo, porque sempre me faltou o principal.

Eu não me interessei pela cozinha, nunca precisei cozinhar, fui muito mimada e quando faltava alguém para o mimo me deixava mimar por mim mesma sem dar atenção para o que entrava pela boca. O tempo vai passando e vamos notando que é preciso, por infinitos motivos, que isso seja feito. A saúde, a vibração, sentir-se bem, enfim, seja no âmbito que for. Mas a cozinha sempre foi um lugar de passeio.

Acho maravilhoso quem domina a arte, especialmente quem combina as duas artes, a de simplesmente cozinhar e a de adicionar o amor. Mas não tenho talento para as panelas. Para o amor, não sei. Ou achei outras maneiras de expressá-lo, Mas o ser humano tem fome. As crias choram e esperneiam e querem comida, e não são só elas.

Ontem me vi em uma situação em que acabei sentada em uma cozinha onde se cozinhava o sagrado. Uma cozinha maravilhosa, aconchegante, e as mulheres em volta da mesa como nos tempos em que se sentavam em volta da fogueira, com assuntos não "de mulher", mas de "sensibilidade de mulher", ou seja, caberiam homens, mas o homem da casa ainda é pequeno e estava mais interessado em jogar. Provavelmente ele vai ser dons bons, com a mãe que tem, vai ser dos que respeitam e seguem exemplos.

Eu tive medo porque achei que minhas mãos não estavam preparadas nem para o profano, quanto mais para o sagrado. No entanto, o sagrado é compassivo e me chamou, de várias maneiras, insistiu, não desistiu de mim. Atendi ao chamado relutante, mas com fé, saltei. Porque é assim que se entra na cozinha - aterrisando de um salto. E em silêncio as mãos vão sentindo outras mãos maiores e o que se sente no ar é quase palpável pelas mãos visíveis.

Quando saí, caí em mais um ano que se inaugura para mim. No caminho de volta, mãos pequenas me saudavam. Eu que às vezes sou tão avessa a elas e que me pergunto sempre - por que? A resposta ainda não tenho, mas cheguei em casa mais velha, não somente um ano, mas muitos degraus mais velha, porque há coisas que não se compreende com a mente, não se vê, mas estão lá com certeza.

A cozinha já não parece tão hostil.