sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Minha coleção de clichês


Quando a gente se dá conta de quanto já viveu cronologicamente, tudo assume novas dimensões, as perspectivas mudam, e a maneira de lidar com o mundo se adapta. Ou não, claro, porque há quem fique sempre na mesma toada, é o caminho fácil da porta larga, aquele que eu invejo.

Há muitos anos tento receber o mínimo possível de informação não solicitada porque não acredito nas instituições humanas em geral, política e mídia em particular, entre outras. Quando achava que era minha obrigação estar informada, só me irritava com a impotência de ver tanto absurdo e não poder fazer nada. Considerando que a situação de lá até hoje só piorou, e sobretudo que eu fiquei mais velha, não saber não me causou nenhum prejuízo, só me poupou de irritação. Nos últimos anos ficou quase que impossível não saber do que ocorre, já não tenho a ilusão de privacidade, de desplugar, só tento conter o exagero, mas ainda assim, aprendi a ligar o filtro automático de besteira, e tudo tem botão de desligar.

O melhor de tudo foi escolher as batalhas. Nosso arsenal é limitadíssimo. A guerra é acirrada. Não dá para gastar vela com mau defunto. Isso é extremamente libertador, quando se consegue pôr em prática.

Quando olho para trás, para onde foram os anos que vivi? As memórias são muitas, mas se confundem, eu já preciso pensar muito para saber o que aconteceu há 10, 20, 30 ou 40 anos atrás. Mas na hora de dormir o cérebro lembra de todos os momentos de constrangimento da vida, da infância até o dia anterior. O bom é que quanto mais momentos estranhos temos para lembrar, menos eles nos incomodam.

Esta é uma conversa de velhinha. Mas eu me olho e não me vejo velhinha, Como é que aquela criança se tornou o que sou hoje? Como assim os anos oitenta se acabaram? Quem morreu? Mas ontem mesmo ele tinha vinte anos, já ia chegar aos cem?? Por dentro não envelhecemos, só vamos mudando como reflexo do que vivemos, e até agora só disse obviedades, chovi no molhado, clichê, clichê, clichê. A vida é isso, um clichê sem fim, todo mundo respira, come, fica doente, e a morte é a coisa mais democrática que existe. No entanto, nos debatemos sem parar, a inquietação, o desassossego, o querer saber, os golpes que recebemos e as alegrias que vivemos, tudo se soma e se confunde em datas, sentimentos, lembranças.

Olho em volta e vejo que acumulei tanta tralha, tenho tentado ao menos pôr ordem na bagunça, mas esse processo é por demais sofrido, Ao mexer fora, mexemos dentro. Pinçamos lá do fundo a memória que acorda com o papel, com o livro, com o cheiro, com o brinquedo, as fotos desbotadas de quem já se foi, e as dos que ainda não se foram mas estão tão longe de serem o que a foto mostra que talvez se pudesse dizer que se foram também,

Tantas eus já se foram. Para onde? O que aconteceu com as coisas das quais desisti? Estariam acontecendo em uma realidade paralela? Será que temos um conjunto infinito de "e se" acontecendo simultaneamente a esta "realidade"? A ideia obviamente não é original, vide tantos filmes e livros a respeito. Por que o que não é nos fascina? Por que ao ver algo tão bonito que tira nosso fôlego, nosso fôlego é tirado? Por que amamos quem amamos e temos repulsa por outras pessoas tão aleatórias quanto o acaso que nos faz encontrá-las? Por que essa nostalgia do que nunca vivi?

Como foi que tudo passou tão depressa?

Minha única resposta para as perguntas óbvias é a resposta evidente: sei lá.

Nenhum comentário: