Eu não sou de poetar, sou de prosear. No entanto, recebi um desafio de um amigo que tenho há trinta - sim, trinta, sou sortuda mesmo - anos, meu amigo de palavras, de textos, companheiro de trabalhos de faculdade, de chacotas que nos dávamos ao luxo de fazer dos monstros literários que tivemos a honra de ter como professores, de fofocas - porque ninguém é de ferro - mas fofocas do bem, por assim dizer, fofocas no contexto literário, em um saudável ambiente de crítica construtiva, "a nível de" cara de pau da minha muito bem desenvolvida capacidade de enrolar até o mais macaco velho dos catedráticos com blablabla pseudo-pesquisado em época de não-Internet, em que tínhamos que mofar na biblioteca porque os sagrados livros não podiam sair de lá, podiam ser atropelados ao cruzarem a Praça do Relógio. Vou ter que aceitar o desafio cold turkey, nem adianta tentar enrolar, meu amigo conhece minha prosa e qualquer tentativa de enrolação resultaria infrutífera. Além disso eu não sou mulher de fugir de desafio. Aqui vai então, com perdão de quem não nasceu pra coisa.
começamos um
multiplicamos infinitamente
formamos um de novo
começamos a ver outros uns
nos tornamos múltiplos
sem nunca abandonar o um
mas às vezes dele nos perdemos
buscamos outro um
que pode ser outro
e outro
e outro
multiplicamos em dois
mas a busca
ah, a busca
ela tem fim
mas
quero o fim?
um?
ou o mundo?
o verso de um?
ou o universo?
O desafiante entendedor entenderá. E não está sozinho. Mais transparente que eu só a nascente do Rio Tietê nos idos do século passado.
E que fique registrado o perdão aos poetas. Infame, eu sei, mas eu avisei que eu proseio.