sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

O que eu faria se eu pudesse (?)



Terra vista da Lua via Apollo 8 em 1968.
Imagem da NASA.

Assisti um documentário sobre os  "desastres espaciais". Antes de mais nada, observo que foi por pura curiosidade mórbida, igual àquela que dá origem aos congestionamentos de trânsito. Mas para que mais seria feito um programa desses senão para o nosso voyer macabro?

Isso posto, e várias faces de horror e de enfado por mostrarem senhores de cãs com camisas floridas horrorosas e quepes (é esse o nome?) militares dando seus depoimentos de como foi horrível ver o fellow astronaut pifar ao seu lado ou ter que abortar a missão porque pifou um fio no número 6 da contagem regressiva, comecei a tecer algumas considerações.

Se não fosse suscitar olhares de pena, eu ainda mencionaria que não tenho certeza absoluta que o homem chegou à Lua. Mas o que é uma certeza absoluta, não é mesmo? É, por exemplo, que pouquíssimas pessoas chegarão ao espaço. Ou serão astronautas. Ou orbitarão sei lá onde, enfim, poucos farão coisas de astronauta fora da Terra.

Então lancei a pergunta - se você pudesse, tivesse todas as condições e preenchesse todos os requisitos, faria isso? A única resposta externa foi um lacônico não,não gosto nem de avião quanto mais essas bombas voadoras. As minhas foram mais ou menos iguais, não iria não, considerando-se as estatísticas do que já deu errado e que não tem museu pra visitar em órbita, eu declinaria.

Resposta fácil. Mas então pensei - que interessante fazer coisas que poucas pessoas no mundo podem fazer - entrar ou sair de órbita, governar um país, descobrir alguma coisa nova e relevante, ou seja, para poucos. Mas ainda dentro do "poucos". A todas essas minha resposta seria não, obrigada, governar dá trabalho e de gênio passei longe. Porém para poucos é possível - muito trabalho (não vamos falar de governantes e trabalho), dedicação, abdicar de tantas coisas... mas, ainda assim, possível.

A pergunta, porém, criou pernas. Ou asas. O que eu faria se eu pudesse? E como o reino do difícil mas possível não é bom o suficiente...

Você voltaria no tempo?

Você aceitaria a vida eterna?

Agora ficou difícil. Sabemos (ou achamos que sabemos) que ninguém voltou no tempo fora da ficção e ao que consta ninguém está vivo desde sempre. Eu adoraria voltar no tempo. Mas e o paradoxo se mudar alguma coisa? Imaginem todo mundo voltando e mudando alguma coisa ao mesmo tempo! Um looping eterno de confusão. Mas eu queria mesmo era ver de perto coisas surreais que a humanidade cada vez mais louca já fez.

A vida eterna também dispenso. Ainda mais se fosse para poucos, no estilo Highlander. Ver todo mundo ir embora século após século e ficar sentada sozinha na eternidade, esgotando a boa leitura e com tédio milenar? Não, obrigada.

Mas permanece a pergunta, o que eu faria se pudesse?

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

O herói chora, mas e daí?






Canto VIII
"Era esse o canto do ínclito cantor. O herói se aferra ao manto púrpura com mãos enérgicas e o traz à testa, encobre a expressão do rosto: o pranto defluir dos cílios frente aos feácios o envergonhava. Quando o aedo para, rosto enxuto, recolheu o manto da cabeça, soerguendo a copa de ansas dúplices aos numes. Assim que o aedo retorna ao poema, sob aplausos de altivos feácios, extasiados com racontos, o herói volta a chorar e reencobre a testa."

Odisseia, Homero; São Paulo: Editora 34, 2012, p. 221


Ulisses venceu a guerra, arrasou Troia, é o herói cantado até por um povo que ele nem sabia que existia, em cujas terras foi parar por ter estado perdido, surrado, castigado por Poseidon. Mas e daí? O bardo o canta, todos se entusiasmam com seus feitos, ele já vinha do idílio com Calypso, mas... e daí?

Acordamos todos os dias, nos arrastamos da cama, nos arrastamos para o trabalho, nos arrastamos pela internet, pelos bares, pelas ruas, pelos copos, pelos altares, e depois voltamos para começar tudo de novo, indo para não temos a menor ideia onde.

Por que essa azáfama diária? Para que? Por que nascemos e vivemos? Porque morremos é fácil - todo mundo morre mesmo, é a única coisa certa e talvez seja essa a razão de nascer. Se acaba depois da morte ou continua é demais para um mesmo parágrafo.

Se o herói chora porque sabe o custo da vitória, o que podemos fazer nessa vida comezinha, em que, a qualquer tempo, parece que só se está andando para lugar nenhum? A nostalgia de tempos não vividos e a ânsia por outros que viriam não resolve nada. A humanidade sempre sofreu, sempre trabalhou, sempre foi uma batalha não épica estar no planeta. Quando foi fácil? Quando vai ser? Respostas fáceis e idênticas.

É um consolo ser difícil para todo mundo? Não. Cada um tem que arrastar sua carga, e a do outro ser mais leve ou pesada para mim - na prática mesmo, sem laivos altruístas - não muda nada. E outro lado desta mesma moeda - o canto que tanto divertia e alegrava os faécios só causou dor ao convidado, o que havia de fato vivido o que estava sendo cantado. Dá o que pensar. Será que o que vemos todos os dias da vida alheia que sorri, posa, alardeia, é de fato a alegria da vitória de Ulisses? Que alegria, cara pálida? Parem de cantar isso, o convidado só chora! E que raiva dos ciclopes que não fazem absolutamente nada e recebem tudo de graça dos deuses. Será que tem disso hoje? Muitas vezes parece que sim, mas nem o ciclope escapou de ser enganado... e nem era tudo assim tão maravilhoso para Polifemo - ele tinha que cuidar das ovelhas, fazer o queijo... Nem tudo são checkins em aeroporto (ou nos portos do Mediterrâneo). E tem muita ilhota querendo ser a ilha de Calypso e buraco dizendo ser a caverna de Polifemo.

Ulisses fez uma viagem penosa de volta para casa. Perdeu-se, virou brinquedo nas mãos de Poseidon, pranteou suas perdas, mas sua viagem foi também de maravilhas, sobrenatural, povoada com criaturas fantásticas, lindas, monstros, amantes. Esperto, conseguiu ouvir o canto das sereias sem que elas o arrastassem, porque sabia que sozinho, humano (Andra) apesar de herói, não conseguiria resistir, e tomou as devidas providências. E com suas artimanhas acabou conseguindo chegar.   A dor de viver tem seu preço. Mas... e daí? Há que se continuar, arrastando os dias, e com sorte, gostar deles de vez em quando, e sem sorte, inserindo uns símiles homéricos para aliviar.