domingo, 28 de fevereiro de 2010

And here we go again


A natureza humana é mesmo uma coisa muito engraçada. A natureza feminina, então, é uma das coisas mais complexas que ninguém, homem ou mulher, seja qual for o grau de inteligência, expertise, experiência de vida ou cátedra, vai entender, mesmo que parcialmente.
As pessoas, especialmente as que se dizem muito modestas e desvalorizadas, na verdade consideram-se detentoras absolutas da verdade. Não declaram isso, porque obviamente pega mal, mas sua atitude em relação aos outros não deixa dúvidas. Olham, julgam, classificam, e a partir daí tecem infinitos comentários para todos os lados, para quem quer e para quem não quer ouvir, sobre determinados comportamentos, como se alguém tivesse perguntado. Obviamente os comentários são velados, e os bons entendedores sabem do que se trata, mas eu pergunto – por que a honestidade nesses casos se esconde? Por que não falar diretamente ao principal interessado? E já respondo: porque a inveja é um monstro que trabalha nas sombras. Não é bonito ser óbvio quando o que incomoda não é o relativo às palavras que saem da boca, mas sim o monstro que corrói, mastiga, enferruja lá por dentro. Eu condeno aquilo que não consigo fazer. Eu julgo aquilo que adoraria fazer mas já que não posso, o que me resta? Falar da falta de caráter alheia. O bom é que, enquanto a caravana passa, os cães ladram. Pura diversão.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Tempo e espaço


Existem dias que passam como dias fora do tempo. Quando eles acabam, a sensação que fica é de que alguma coisa aconteceu em uma dimensão paralela. Podem ser dias bons e dias ruins. Quando são bons, deixam uma sensação de metade lá, metade cá, já passou mesmo? Essas sensações que vêm em ondas têm o benefício da permanência, pode notar, se a sensação permanece no dia seguinte, ela raramente vai se apagar. Dias assim são dias em que as conquistas começam. Porque toda realização nasce em um primeiro pensamento, a gênese das pequenas e grandes coisas é, invariavelmente, a cabeça da gente, desde as tarefas banais do dia a dia até a conquista do espaço. Conquistar o espaço demanda pesquisa, tempo, investimento, idéias, paciência com as falhas, mas acima de tudo, vontade. O espaço está lá, inóspito, desconhecido, perigoso, mas tentativas bem-sucedidas anteriores provam que não está inalcançável. Aí um dia fazemos um projeto, depois construímos o foguete, depois fazemos as provisões da viagem, e quando menos se espera estamos olhando a Terra pela janelinha. Acho que finquei uma primeira bandeira em, digamos, Marte. Ainda é preciso tornar o ambiente menos hostil, examinar as possibilidades de colonização - se só um posto avançado ou uma vila inteira - pesquisar as possibilidades de sobrevivência. É uma série de dias fora do tempo. É a outra viagem. A superfície do planeta é escorregadia. Mas esses dias que buscamos não são mesmo feitos de coisas palpáveis.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010


Eu sou do tipo que pula primeiro para, durante a queda, descobrir como as asas se abrem. Mas as preparações também me atraem, pelo caráter ritualístico delas, neste tempo de muitos rituais e pouco significado. O caldeirão está no fogo, as pinturas estão sendo feitas no corpo, a casa está sendo arejada. Definitivamente o melhor da festa é esperar por ela.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Espantos

Eu ainda me espanto. Depois de tantos anos (nem tantos assim) vividos, aprendidos, ainda fico estupefata com tanta coisa. O comportamento infantil de quem já não é assim tão criança. A sede de carnaval como se alguma coisa mudasse, como se nesses dias fosse permitida uma lacuna na vida e depois ela seguisse como se nada tivesse acontecido. E me espanta mais ainda que algumas seguem assim mesmo. A chuva que volta a castigar a cidade, que nem deveria ser novidade, já que se tem falado tanto de mudança climática – que em si já me deixa boquiaberta porque está ficando perto demais. As traições, as pequenas e as grandes, não me surpreendem, porque não comungo com o significado inato delas, cada um tem o direito de não se trair mesmo que isso custe a dor alheia. O fato de não me surpreenderem, no entanto, não significa que não sejam punhaladas no coração. O conhecimento não me assombra, me atrai. A ignorância também não, porque muitas vezes a desejei, por ser uma bênção que não recebi, há coisas que são one-way. O que me deixa de olhos arregalados é a não vontade do conhecimento. Como assim? Por opção, cara pálida? Tudo o que escapa, foge do raso, arte, em qualquer das suas formas, leitura, conversa de horas em sintonia mental, tudo isso me é familiar. Fico sobressaltada é com a fome de vazio que transpira de quem consome pseudo-coisas, como -literatura, -cultura popular, -música. Nascimento, crescimento e morte me chamam a atenção, as associações são inevitáveis, eles dão perspectivas necessárias dentro do que mais me deixa pasma, a vida, a vida em si, o processo, o caminho, o fio que vamos conduzindo, eu não sei como. Todos os dias temos dores novas, alegrias novas, surpresas, trabalhamos, falamos, dormimos, vamos tentando resolver os percalços, os novos e os antigos, vamos batendo nas pontas afiadas que vão surgindo muitas vezes de onde nem imaginávamos. Às vezes o susto vem de sentir. A capacidade que temos de amar e de odiar é o que causa mais estranheza. Atingimos diferentes picos e vales nos dois departamentos, mas para cada um seu pico é o mais alto e seu vale o mais profundo. Uma vez assisti a este filme argentino chamado “No te mueras sin decirme adónde vas”. Já faz uns quinze anos, mas nunca esqueci, questões religiosas à parte, a personagem vai e volta à vida em reencarnações subsequentes onde encontra seu grande amor em diferentes “embalagens”. O amor vem em diferentes formas, mas está sempre lá, uma torrente que vai se manifestando. Mas o que ela mais anseia é entrar de novo na vida, estar viva, respirar, chorar, sentir o que quer que seja, mas sentir. Que isso nunca pare de nos espantar.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010


E hoje eu acordo e descubro que quero (não preciso, mas quero) que alguém me salve. Simples assim, logo depois do café da manhã. E lá se vai por água abaixo toda a conversa de independência e auto-suficiência. Eu quero ser salva do tédio atávico que nasceu comigo. E acho que a empreitada é grande demais para resolver sozinha.

Update para os que estavam pensando em me internar: Pronto, passou. Foi só uma crise de preguiça doméstica. Voltamos à nossa programação normal.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Sim, eu estou vendo


Ultimamente tenho aprendido a detectar os turning points da vida. Aqueles momentos que são o resultado final dos processos, longos ou curtos, mais ou menos dolorosos, tremendamente frutíferos ou estupidamente inúteis, os processos que todos desencadeamos, vivemos e concluímos. Em geral, vislumbramos o que houve quando os verbos já só podem ser conjugados no passado, e é incrível como tudo faz sentido – obviamente, agora já sabemos o resultado.
Agora não sei se é a maturidade (eufemismo sim), o cansaço, a intuição, resultado de terapia, ou simplesmente outro processo, mas comecei a ver, sentir e ouvir o andamento, o desenrolar, o progresso, e é tão claro, é quase palpável, é como se fosse de outra pessoa, ou filme, ou livro, chega a ser esquisito.
Ainda não consegui determinar se isso é bom ou não, útil ou mais uma coisa sem propósito para pensar, mas é um brinquedo novo. Dá uma sensação ótima de controle, de poder, mas ao mesmo tempo, é bom escolher estar ciente do processo, controlar algumas variáveis, mas assistir outras acontecendo sem interferir nelas. E por fim deixar a melhor parte acontecer sozinha, a surpresa do resultado (mesmo se não for tão surpresa assim, a gente finge).
Porque não há nada como a sensação de pular no abismo, sentir a temperatura da água pulando na piscina, de se deixar vendar, segurando ou não na mão de alguém, ser a primeira a levantar a mão – ou a única – a primeira a voltar atrás ou a ligar, seguir com a vida, a pedir perdão, a perdoar, a estender a mão, a sair andando sem olhar pra trás. Tudo isso requer coragem. Saber com antecedência intensifica ainda mais o sabor, porque acrescenta a expectativa, aquela mesma que, se a gente não fingir que não está vendo, nos engole.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Play it again, Sam


É muito interessante como a reprodução varia entre as diferentes espécies e hemisférios do planeta. A fêmea do escorpião, por exemplo, pode vir a dispensar o macho. Uma espécie de formiga dispensa totalmente os meninos, de tão acostumadas que estão a viver e trabalhar sem eles, acabaram provavelmente concluindo que poderiam produzir formigas-bebês sem eles também. Algumas espécies de lagartos fazem um tipo de auto-clonagem, a mãe produz uma “mini-me” geneticamente igualzinha a ela. Imaginem, uma comunidade só de meninas, que menos complicado, uma coisa assim, amazona. Sem mencionar as abelhas, entre as quais os machos são assim quase como que um acidente, surgem de óvulos não fecundados. E o cavalo-marinho que fica grávido? E o pingüim que cuida do filhote enquanto mamãe vai pro mar? Mas e a dança do acasalamento? Penas, grunhidos, chifres, penugens, vôos, saltos, cantos, odores, chamados, tudo pela continuidade da vida. E tudo parece esquisito demais. Perto disso, nada é tão trabalhoso, como por exemplo, olho-no-olho, telefonemas, olhar para o outro lado, não telefonemas, mensagens de todos os tipos, SMS, e-mail, sinal de fumaça, respiro, cinema, teatro, dança, concerto, festa, jantar, almoço e café, um passo para a direita, falo, não falo, ligo, não ligo, insinuo, escondo, entro, pulo de uma vez, saio, um passo à frente, ponho o coração pela boca, espero batendo o pé de impaciência, um passo para a esquerda, saio de cena, butterflies in the stomach, e voilá, paro, soltando fogo pelos olhos. Ainda estou tentando acertar o passo. Alguém está ouvindo a música?