sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Os monstros nossos de cada dia


A tela do computador me olha vociferando.

Eu abro e de lá saem monstros, hidras de lerna, medusas, criaturas do mal em que, em um olhar mais atento, reconheço quem chamo de amigos.

É uma disputa de egos, poder, pseudo-conhecimento, que beira a quinta série B. Minha caixa de lápis de cor é maior que a sua. Ela usa laço no vestido e por isso se rendeu ao patriarcado. Ninguém manda em mim (nem eu mesma). Eu ganhei uma mochila de Minnie. Você está ultrapassada porque tem que saber coordenar as últimas tendências. E humanidade is so last season. A Minnie, inclusive, também é oprimida pelo machismo. Basta ver a casa dela. Mas puxa, eu queria tanto, lá no fundo, a casinha com cerquinha branca e a família do comercial de margarina. Mas não vou admitir isso nunca, estou ocupada com a militância. Fora, fora, fora, sai daí, eu mesmo te pus aí, mas agora não quero mais brincar, sai. Vamos brincar de desobediência civil? A gente sai quebrando a escola, berrando, jogando bombinha de são joão, esparramando o conteúdo das bolsas das professoras, e na confusão, ninguém vai saber quem foi, provavelmente vai sobrar pro Afonsinho, o nerd, que ficou paralisado ali no cantinho. 

As hienas também correm da tela. Elas não raciocinam, tudo é piada, não importa se incomoda os leões. E então quando os leões rugem elas reclamam. Isso é ditadura, onde já se viu. 

As polícias todas estão de plantão. A polícia da linguagem, não diga isso ou aquilo, religiosa, isso e aquilo é pecado, mas só se você fizer, se eu fizer, não é. A polícia das suas escolhas pessoais, que estão todas erradas, dependendo da sua localização, a qual, aliás, o seu checkin revela - com seu consentimento, lógico, porque não dá pra ficar perdido no mundo. Se você escolhe não escolher, ah, por favor, alienado, engula aqui esta escolha que eu fiz por você. A polícia do peso, fique magro, fique gordo, a ditadura da estética, a estética da gordura, difícil escolher o que é correto, ficar magro ou ficar gordo e sair impondo por aí que todos saiam das dietas!! Comamos! Bebamos! Nos matemos! 

Eu poderia ir longe, umas vinte páginas, mas por hoje chega. Deu. Cansei. Vou fechar a caixa de Pandora.



sexta-feira, 2 de setembro de 2016

AGOSTO



O mês de agosto parece interminável, e é engraçado que não é o único que tem 31 dias, mas sabe-se lá porque, nossa percepção de tempo está tão distorcida, ou é o tempo mesmo, que, por não existir de fato como queremos concebê-lo, agosto parece estender-se ad infinitum.

Associar coisas ruins a um mês é uma bobagem tão grande quanto o fato de ele existir, eu que odeio o Gregório e o calendário dele, ou quanto o fato de outubro ser o oitavo mês, mas enfim, o  ponto é que não são dias ou meses que determinam fatos. É o mundo mesmo que está oferecendo poucos fatos alegres em qualquer mês, até neste em que entramos, no qual todos esperam as flores esvoaçantes nos intervalos das reclamações usuais.

Entre tanta coisa que deu tempo de acontecer em agosto, eu fui abraçar um amigo na partida do pai dele. Eu vou dizer partida não por eufemismo, mas porque na minha concepção é partida. Preencha com o nome que lhe aprouver, é auto-explicativo. Primeiramente, era um amigo que eu não via há muito tempo, sabia de uma coisa aqui, outra ali pelas "redes sociais", mas pessoalmente há anos não encontrava. A primeira observação foi a de que o tempo - vou falar de novo - é um conceito ridículo, porque ao abraçar e conversar com ele, os anos, meses, fatos, desapareceram. Ao conhecer a mulher dele, de novo o tempo escafedeu-se, porque eu a estava vendo pela primeira vez e ela já era também praticamente minha amiga pelo mesmo tempo que ele, uns mais ou menos, quase ou por aí quarenta anos.

Meu pai foi comigo, e aquilo tudo de pai vivo, pai partindo, rever mãe de amigo, rever amigo, cemitério, cheiro de flor de cemitério, a conversa vazia que - apesar do elefante na sala - acontece. Nós somos tão desajeitados diante do inequívoco. Eu não sei o que dizer, nunca. Eu fui lá porque achei que tinha que estar presente nessa hora, eu que me acho tão ausente, tão egoísta, um mar de contradição.

Nossos pais são as únicas pessoas que realmente se importam conosco. Isso é mais velho que andar para a frente, mas é a pura verdade. Faça o que for, aconteça o que acontecer, pai e mãe é que vão estar lá, no matter what. Quando um se vai, mesmo que seja o de quem queremos bem, é uma lástima. Mas sabemos que todos irão. Não penso nisso porque me bastam as minhas minhocas diárias que cavam túneis infinitos no meu cérebro. Fico feliz que minha filha também sabe disso. Nem todos os pais e mães são assim, eu sei. Todos somos imperfeitos. Os seus são? Ou foram? Saia saltitando de alegria, é um privilégio. Não são ou não foram? Tente ser, se quiser, Se não quiser, tem sempre alguma mão para a gente segurar e substituir.

É muita informação para eu processar. Me vê aí mais um mês de agosto, Chronos.