sexta-feira, 29 de abril de 2011



Eu ando sobre o gelo fino. Entre o respeito e a quebra definitiva das cercas, entre a mão que se estende no ar e para antes de tocar e as pernas que agarram como tesouras. Eu faço e desfaço as malas, eu me obrigo a fazer o que não quero e quero o que não me obrigo a fazer. Eu fico entre o não e o por favor que grita, em silêncio, por trás do muro, da fachada, da casa que é a fortaleza. Eu procuro as asas perdidas, porque sei que elas estão lá, apenas recolhidas, eu tenho o remédio, mas o caldeirão ainda destila o passado, o presente assustador, o medo. Sim, eu estou aqui cansada, e não sei mais se espero, e não sei mais em que condições estão as minhas defesas. Fico entre o reino da covardia e a mansidão, e a invasão, a derrubada das paliçadas, os cavalos que saem em disparada, as espadas, gritos e clamor, o calor da batalha, o ardor do fogo que incendeia fora, dentro, casa, castelo, muros, cercas, cabeça, coração.

terça-feira, 26 de abril de 2011



Eu estive fora uns dias, de novo. Mas desta vez não voltei querendo matar ninguém que não more dentro de mim mesma. Sair da realidade diária nos transporta para um mundo paralelo onde somos visitantes, e essa dualidade de moradias, a temporária e a permanente, cria perspectivas inesperadas.

Desta vez aprendi tanto e meu coração ficou tão quentinho que nada tenho a reclamar, eu diria até que revogo reclamações anteriores, apesar de saber que logo elas vêem de novo.

Sem entrar no mérito da definição do que é real ou não, eu diria que consegui me esconder da realidade a maior parte do tempo. Ela em vários momentos arreganhou os dentes e estendeu suas garras, mas eu solenemente a ignorei e ela acabou se conformando em esperar meu tempo de voltar ao seu lugar de origem. É bom se esconder da realidade? Não sei, porque não sei o que ela é. Qual é a realidade real?

Eu aprendi muito de mim e dos outros, eu vi e senti coisas que mexeram em meu coração, eu ri, eu chorei, e sempre transbordando, porque essa é a única realidade que é deveras real para mim - eu transbordo.

Eu entrei sem perceber em momentos que nunca mais vão sair de mim, não importa o que aconteça, eles serão meus para sempre, e ninguém pode roubá-los de mim, por mais ladrões de momentos que me espreitem armados de mágoa, de fúria, de descontrole. Nem o futuro terá esse poder.

O mundo ficou surreal por uns dias. E me deu fôlego novo. Todos sabem que a melhor vingança é ser feliz. Eu de minha parte já achei compensador o surreal. Mesmo porque, repito, não sei se aquele era o su-real. Os artistas, lunáticos e insanos vivem em suas próprias realidades. Artista não sou, o resto não sei, tenho os meus momentos. Apesar que o meu real convencional é que parece o mais insano de todos. Mas aí vou ter que entrar na discussão do que realmente é loucura e o que não é, e então não teria fim.

O fato é que eu não esperava, mas voltei mais madura, mais flexível, com os olhos mais abertos, escancarados na verdade, cheguei já passando a espada na realidade que me esperava gritando, esperneando, exigindo seu posto. Vamos ver quem cria a realidade mais plausível. E para quem.

Enquanto isso, eu vou sentindo o sabor doce. Doce não sei de quê, mas doce.

sexta-feira, 8 de abril de 2011



A vida tem sido cheia de arestas lancinantes, e eu me questiono se tem que ser assim, e se vai sempre ser assim. Eu passei tanto tempo anestesiada e sem viver e tudo era tão cinza por dentro que eu achei que sentimento pior que aquele não existia. Então ressuscitei e a volta à vida trouxe em alguns momentos dias mais coloridos, mas a vida é tão aguda que dói mais ainda que o campo árido que eu fui por tanto tempo. Ou seja, estou sempre querendo correr para fora de mim, para um outro lugar onde não seja nem o deserto e nem a profusão tão grande de flores que dói a vista e os insetos picam.

Mas onde fica esse paraíso do meio termo? Ele existe? Eu tenho que viver tudo tão intensamente até doer? Como eu faço para parar antes que chegue nesse ponto?

Aliás falando em pontos, eu tive momentos tão pontuais em minha trajetória que poderia até precisar o dia e a hora em que alguns sentimentos se manifestaram. E isso é muito esquisito. Hoje eu me apaixonei. Antes de ontem comecei a desistir de alguém. Amanhã vou acordar e não sentir mais o que me ceifa hoje. Já que é assim, eu deveria agonizar menos, eu poderia ter mais equilíbrio.

E voilà - o equilíbrio. Eu sou uma pessoa externamente muito equilibrada, eu sou uma cidadã exemplar, pago meus impostos, dirijo com cuidado, tenho uma profissão honesta, minhas dívidas são só as razoáveis, eu tenho uma aparência de respeitável. Mas agora vou confessar uma coisa que vai jogar a minha reputação pelo ralo, eu não sei quem é essa. Quando alguém me diz o quanto eu sou tranquila e responsável, eu gostaria de convidar para passar uns três dias dentro da minha cabeça. Esse lugar se parece com uma obra de Dali, lá é tudo surreal, eu produzo coisas dentro de mim que dariam um tratado de esquisitice. Eu sou a manjada imagem do lago plácido onde mora o monstro.

E eu estou cansada, muito cansada. Eu insisto no que não deveria, eu entro em situações que eu sei que não vão acabar bem, eu digo sim para aquilo que grita não lá no fundo, eu ignoro o que é anunciado em neon e efeitos sonoros, eu me machuco pondo a mão no fogo sabendo que queima. Mas eu insisto, eu acredito no papai noel, na cegonha e na paz mundial. E o pior de tudo - sou totalmente ciente da insanidade total que é viver como eu vivo. Só não sei onde está a porta de saída.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Escolhas e de como não pô-las em prática



Eu ando entre os píncaros da ilusão e o duro do chão quando caio novamente. Eu vivo entre a racionalização do que eu sinto e do que o outro parece sentir e o desvario de sentir que nada é o que parece e eu nao quero o que é. Eu fui avisada, eu já ouvi, eu já sei o quanto dói. Inclusive alguma coisa já parece que se quebrou. E no entanto a força para levantar e sair é hercúlea, e me falta fôlego. Eu sei onde é a porta, e ela está aberta. Mas o doce da paisagem na janela não me deixa sair do lugar. E assim, fico entre a paisagem linda mas inalcançável e a porta que poderia me levar a outras paisagens mais belas, e que está mais perto, mais acessível, é só levantar e sair. Mas.