quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Quando a pausa para respirar é a única opção.




Eu andei muito envolvida com Homero, o da Ilíada. Eu me envolvi na leitura e acabei depois para minha semi-decepção assistindo o filme que roubou tudo do livro e mandou para a zona das coisas perdidas. Só não foi tão ruim porque tinha o Brad Pitt de Achilles, mas só por ele mesmo, porque o Achilles da minha cabeça é muito maior, muito mais forte e muito mais cabeludo e teimoso. O pobre Pitt é só uma amostra de Achilles, mas é o Brad Pitt. Bobagens à parte, gostei tanto de ler porque as batalhas que eu venho lutando têm sido tão severas quanto aquele cenário que pula do livro, que me faz sentir o cheiro do bronze se chocando.

Eu não sei se eu preferiria lutar as batalhas que se luta paramentado, com escudos feitos pelo Hephestus ou não, eu seria mais modesta, mas uma armadura iria muito bem em certas situações.

É interessante a geografia da batalha, um lado encurralado pelo mar e impedido pelas muralhas de Tróia, o outro protegido pelas muralhas mas com um certo medinho de tanto grego herói. E o pior é que ninguém queria nada disso, nem vou entrar no mérito da infantilidade do Páris.

O que foi me dando uma certa familiaridade foi como foram ferrenhas as batalhas. Eu faço das minhas batalhas uma guerra de Tróia, em duração, carnificina e intensidade. Eu já me conformei em ser intensa, eu não sei viver de outro jeito, mas o que ocorre é que a linha entre a intensidade e a burrice é muito tênue. Vide a inocência dos próprios troianos de levarem o cavalo para dentro. Ou do grande Heitor que matou o homem errado só porque ele estava com a armadura certa.

Aliás, para mim os heróis parecem vir assim mesmo: com a armadura certa, e quando menos espero, vou ver lá dentro e é o Pátroclo e não o Achilles.

Os gregos, os troianos, todos os povos que lutaram, na ficção e fora dele, e todos os homens em geral amam a batalha. O heroísmo é tentador. O próprio Achilles escolheu a vida breve em troca da glória. Na maioria das culturas desertores são criminosos. Ou no mínimo covardes.

Mas existe nas batalhas pessoais um elemento diferente. A minha batalha é comigo mesma. Eu não sou burra, apesar de ter deixado entrar alguns cavalos. Só que o heroísmo da intensidade me exauriu. Há tempos eu me sinto Don Quixote, uma luta sem nexo. Eu precisava tentar de tudo, eu sabia que a guerra em que eu entrei era de sangue, suor, lágrimas, cabeças decepadas e corpos cremados e empalados. Eu estava corajosa.

Mas até os troianos, tolinhos, achando que haviam espantado os navios, festejaram e foram dormir deixando um cavalo enorme no meio da cidade, um monumento à burrice que parecia tão improvável. Quando os gregos entraram, eles souberam. Era chegada a hora.

A minha hora chegou. Estou recolhendo a minha espada, tirando a armadura, encostando o escudo, vou cuidar das feridas de guerra, porque cansei, cansei de verdade das espadas no meu coração. O inimigo é astuto como Ulisses e corajoso como Achilles. Eu estou mais para a Penelope que ficou lá esperando. A guerra acabou? Não. Só não sei se volto para ela.


 There is a time for everything, 
   and a season for every activity under the heavens:
 a time to be born and a time to die, 
   a time to plant and a time to uproot, 
a time to kill and a time to heal, 
   a time to tear down and a time to build, 
 a time to weep and a time to laugh, 
   a time to mourn and a time to dance, 
a time to scatter stones and a time to gather them, 
   a time to embrace and a time to refrain from embracing, 
a time to search and a time to give up, 
   a time to keep and a time to throw away, 
a time to tear and a time to mend, 
   a time to be silent and a time to speak, 
 a time to love and a time to hate, 
   a time for war and a time for peace.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Mas de novo?


Eu estou indo de novo para a batalha. Só que estou tão, tão cansada, que nem sei se tenho forças mais para o ímpeto. A gente luta tanto por alguma coisa e essa coisa fica tão difícil que desanima. Talvez seja esse o ponto. A entrega. O deixar fluir. O não fazer nada e deixar o que tiver que ser, ser. Que seja, então.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Cuidados a serem tomados, ou Não facilite.


As tulipas gostam de frio.

Porém este verão está bem atípico.

Se eu fosse outras flores eu ficaria bem esperta, porque não mais que de repente a gente pode dar de cara com tulipas em pleno verão tropical.

Ou elas podem cair no colo da gente.

Isso sem mencionar os gatos, que andam ariscos com o clima esquisito.

É um risco.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012


Aproveitando o burburinho do programa de TV que eu me recuso até a nomear porque merece somente a minha indiferença total e absoluta, ontem tive uma epifania sobre o escapismo.

As coisas não andam fáceis, eu administro adolescentes de todas as idades, inclusive eu mesma. Portanto, ontem (santo benefício de home office) larguei todo o trabalho que ficou gritando e esperneando e fui assistir TV. Fui porque quando sento lá e engulo Law and Order, CSI e Criminal Minds que eu até já tinha visto, nem penso nos meus problemas. E ainda ponho um cobertor e meio que durmo entre a metade de um Law and Order e o final de um NCIS, sempre com cadáveres, crimes hediondos, injustiças, maníacos e tudo de feio que a vida nos oferece.

E por horas esqueço tudo a respeito das questões filosóficas e práticas que me atormentam, ponho tudo em modo standby e fico lá, engolindo a desgraça alheia.

Eu me recriminava por isso. Hoje não me recrimino por mais nada, o que resulta em um perigo constante aos que me cercam e me suportam. Cada um tem sua maneira de escapar das coisas chatas, maçantes, torturantes e enlouquecedoras. Eu não fumo, não caio de bêbada, as drogas que eu uso são lícitas e prescritas, contribuindo pelo menos para a sanidade aparente. O que eu vou fazer para esquecer um pouco das chatices diárias e dos questionamentos mais amplos que me martelam o cérebro?

God bless the great altar of entertainment.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Sem ter para onde voltar


Há muito tempo eu não fazia uma viagem tão longa de carro. Não tenho uma noção exata, mas acho que foi perto de 3000 quilômetros rodados em 20 dias de muito, muito sol e calor.

Passei por quatro estados e os muitos quilômetros rodados pareceram poucos. O cansaço natural da viagem acabava ficando oculto no meio do tanto que há para se ver. E pela boa companhia.

Vou dizer o óbvio - o Brasil é enorme. O Brasil da Bahia para cima não é o mesmo país que São Paulo, que por sua vez não é o mesmo país que o Paraná para baixo.

Aprendemos muito pouco sobre o Nordeste se não formos buscar o adicional. Além das óbvias capitais, todas diferentes umas das outras - cor de mar, textura de areia, vida urbana, prédios e a ausência deles, povo - as cidades menores e as minúsculas são as delícias de se ver. Algumas parecem saídas dos livros de Jorge Amado, outras das novelas, outras mostram o país que não gostamos de ver. Mas em geral vi pouca tristeza, respira-se um certo conformismo servil, resquício talvez de tempos idos ou de preconceitos ainda tão em voga.

As estradas obviamente não são highways, mas bem transitáveis. E vão passando frutas, plantações, comidas, cheiros, pessoas de formatos e humores dos mais variados. Coco, coco, coco. Caju, caju, caju. Cana, cana, cana. Acarajé. Tapioca. Bode, galinha caipira, peixe, peixe, peixe. Mangue. Rio. Braço de mar. Ponte, viaduto, pousada, hotel, motel, o camping que não vingou, travesseiro dentro do carro.

Sol, sol, calor. E um quê de celebração de vida, ainda que saibamos o que tem por trás do que vemos sorrir.

Acampamentos de sem-terra, cruzes na estrada. Gente humilde e cansada. Estradas esburacadas, perigos no caminho, às vezes chuva, trovoada. Percalços e o cansaço, sono, sono, sono.

E o mar impávido vai mudando suas máscaras sem perder a majestade, absoluto, perene, ainda que paradoxalmente mutante a todo minuto, menor ou maior, mais longe ou mais perto, mais sereno ou menos amigável, convidativo ou perigoso.

E como não podia deixar de ser, horas rodadas criam avenidas na mente, e a viagem interna foi com certeza de todas a mais surreal.

Nós criamos um mundo e depois viajamos nele. A expectativa não pode deixar de crescer, por menos que queiramos, e quanto mais a evitamos mais ela salta aos olhos.

Viagem é aprendizado. Viagem na alma, nossa e alheia, é o teste para saber se aprendemos. E nunca aprendemos tudo de uma vez.

Desta vez aprendi que falta tanto ainda, que temos medo, damos um passo para frente e dois para trás. Depois de saltar de olhos fechados procuramos desesperadamente alguma coisa em que nos agarrarmos. E as "coisas" estão ao longo do caminho todo, e acabam nos atrasando no caminho que parecia livre de "coisas" antes de nos atirarmos nele.

Quanto mais vivemos mais cautelosos ficamos. Mais suscetíveis, desconfiados. Já sabemos o que é dor e ela não tem graça nenhuma. Então arreganhamos os dentes, afiamos as garras e levantamos os muros.

A viagem fica difícil. Paramos onde talvez deveríamos ter continuado e deixamos que o prenúncio de mau tempo nos impeça de sair, e perdemos os espetáculos - e ainda acaba nem chovendo.

E sol, sol, calor. Não se pensa impunemente, então não nos expomos com medo das queimaduras.

Mas o mar é convidativo apesar do aviso de perigo - tubarões, correntes fortes. E acabamos só molhando o pezinho sem mergulhar de cabeça.

Passei por todos os estados, com cores, dores, texturas, sensações, ausências, pequenez e grandeza.

E os inevitáveis buracos na estrada, que podem ter custado um desvio não previsto de destino.

E no entanto, quem sai de viagem sabe que vai haver percalços, perigos, turbulências de vôo, camas não muito confortáveis, sabores e cores diferentes.

O buraco na estrada que eu pensei que era uma cratera acabou relevando-se transponível, até um certo ponto. Só não sei se essa estrada leva ao destino planejado a princípio.

Mas estou a passeio.

Aprendi também que o caminho inesperado pode ser ainda mais enriquecedor. E de desvio em desvio, acabo chegando aonde eu quiser chegar. Ou para onde a estrada me levar.