quinta-feira, 1 de abril de 2021

31 coisas que eu re(aprendi em um ano de pandemia


1. Viver o momento histórico é exaustivo. 

2. Bicho é bicho, gente é gente. E político é político. Cada um é nojento à sua maneira.

3. Influenciador/a / influencer digital NÃO é profissão. Fazer bico pra foto e/ou tutorial de alguma coisa não deve constar em curriculum.

4. O Brasil é um país que não tem jeito. Esquerda, direita, isentão, ladrão, assassino, é tudo igual, não vai mudar nem nos próximos mil anos. A saída é o aeroporto.

5. Não existe gênero neutro na língua culta, a menos que se esteja falando alemão ou alguma outra língua que eu não conheço que tenha gênero neutro no registro oficial. E não, a língua culta não vai aceitar essa "evolução".

6. Votei em um candidato e fui taxada de "fascista". Votei no mesmo candidato em outra eleição e agora sou "comunista". Ou seja.

7. Quem não se impõe não recebe respeito. Quem se impõe também não, mas as chances são menores.

8. Não é necessário se justificar. Ninguém liga. 

9. Se uma mulher sair vestida como quer, pode ouvir o que não quer. Não é opinião, não estou defendendo machismo, é o que é, não adianta espernear. É justo? Obviamente que não. Cada uma banca o que tem coragem. 

10. Ler qualquer lixo não é melhor que não ler nada. Nesse caso, melhor ler bula ou rótulo de shampoo, causa menos dano.

11. Viver em condomínio é o inferno na terra. Ninguém tem respeito por absolutamente nada. Só poucos trouxas como eu.

12. Não adianta jogar pérolas aos porcos. Melhor deixar que chafurdem na lama que adoram. O problema é quando a lama espirra para todo lado. 

13. Sentimos falta de convívio porque não podemos conviver. Aguentar os outros é absolutamente insuportável. Pior ainda é aguentar a mim mesma, porque não posso sair de dentro de mim.

14. Não existe atendimento médico de graça, escola de graça, dinheiro público. Alguém está pagando e somos nós, os meros mortais.

15. Todos os tempos foram tenebrosos, cada um à sua maneira. O mais tenebroso de todos é o atual, porque é o que está me afetando agora.

16. Todo mundo é maluco, uns mais, outros menos perigosos.

17. Mimimi só pode ter sido destacado de "litância". Acredite no que quiser e não me torre a paciência que eu não tenho.

18. Ninguém conhece ninguém. Se eu conseguisse saber o que se passa no MEU cérebro já estaria bem satisfeita.

19. A inveja é uma merda. Para os dois lados.

20. Todo mundo tem um (ou vários) esqueleto no armário. O truque é ter um cabide que fique bem no canto.

21. Observando o noticiário e o comportamento geral, só há três idades mentais no mundo, independentemente da idade biológica - 3, 8 e 12 anos. A maior parte do mundo é a quinta série C.

22. Os cães ladram e a caravana passa. Mas às vezes os cães são apedrejados.

23. Sorrir e acenar ainda é a melhor política. E a mais difícil de todas.

24. O amor é lindo mas a paciência é curta.

25. Quanto mais velha eu fico, mais barulhos me incomodam.

26. A vida adulta é um fazer coisas chatas sem fim.

27. Depressão é uma doença que não sangra, então quase ninguém leva a sério.

28. Existem universos paralelos, não em outras dimensões, nesta mesmo, é só olhar para como vivem as outras pessoas.

29. O fato de eu não olhar para alguma coisa não resulta nela desaparecer. Aplicável desde à louça na pia até à falência da humanidade.

30. Exu te ama.

31. Não sou obrigada.







sábado, 7 de março de 2020

Meditações online



Ele está dizendo: Parem de falar besteira. 
"Do meu preceptor: o não ter pertencido à facção nem dos Verdes, nem dos Azuis, nem partidário dos Grandes-Escudos, nem dos Pequenos-Escudos, o suportar as fatigas e ter poucas necessidades; o trabalho com esforço pessoal e a abstenção de excessivas tarefas, e a desfavorável acolhida à calúnia"
Marcus Aurelius, Meditações, Livro 1, 5.

Marco Aurélio, apesar de ter sido imperador da grande potência da época, consegiu, estoica e literalmente, manter a sanidade. Talvez porque não havia redes sociais no Império Romano.

Hoje essas sábias palavras soam simplesmente como ficção, utopia, ou "só rindo mesmo".

Não tomar um partido e ser "isentão" hoje "é pecado". Ou ame o que eu amo ou vou te atacar com pedras e paus verbais, porque uma coisa que ficou fácil foi a valentia à distância. De onde se espera o óbvio, não há o que reclamar, é como o programa de televisão ofensivo, chato ou imbecil - desligue a TV, aperte o botão "unfollow" ou similar e siga a vida. Mas há aqueles que, no nosso histórico offline, foram amigos, parceiros, pareciam nos amar, querer estar conosco, independente de lados escolhidos (ou nem escolhidos). Esses são os difíceis de apagar virtualmente. Naturalmente é muito fácil sair de todas as redes sociais, mas o custo-benefício ainda está pendendo para ficar.

Para quem nasceu e viveu grande parte da vida sem elas, seria até mais fácil simplesmente ignorar tudo, mas quem quer usa para aprendizado e para contatos que não teria se não fossem as famigeradas. Difícil é lidar com as personas online que diferem tanto das pessoas em carne e osso.

E a "desfavorável acolhida à calúnia"? Essa se encaixa no "só rindo mesmo". Não é o bullying online que dói, são as observações pontudas e ctucantes de quem amamos um dia. A amiga de anos, o primo com quem brincamos na infância, a tia, o amigo que segurou nossa mão no mundo real, de repente viram tiranossauros rex, avançam, dentuços, na nossa liberdade de pensamento.

Sempre houve quem pensasse diferente, obviamente, mas hoje ficou possível usar isso como holofote. O "suportar fadigas e ter poucas necessidades" é impraticável. Somos bombardeados com anúncios de coisas que não sabíamos que precisávamos, com notícias que não sabemos se são reais, com um eterno sou lindo(a), tenho 14652536435 seguidores que me assistem tomar café (ou coisas inenarráveis em um blogue de respeito), sou rico(a), viajo pelo mundo, meu trabalho é maravilhoso, enfim, essas coisas.

Abstenção de excessivas tarefas? De que jeito? Especialmente as mulheres que já por natureza são multitarefa, se não forem boas mães, profissionais, companheiras, lindas, malhadas, ah que fracasso. E ouse criticar os exageros do dito "feminismo". Ai, minha paciência.

Só sobrou o "trabalho com esforço pessoal". Esse é insubstituível, a gente se arrasta para ir vivendo - quando consegue, porque às vezes é difícil até arrastar. Resta o esforço pessoal para estar no mundo, cercado de pessoas, reais ou virtuais, a maior batalha desde a conquista dos partos, e ainda com o ônus de ter levado a peste (hoje, por ironia, quase literal).

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Barbaridades

O silêncio em meio à batalha



No princípio era o Verbo. Fiat Lux! E fez-se a luz. Hoje o Verbo está mais obscuro do que nunca esteve.

Umberto Eco já dizia em 2015, que “O problema da internet é que produz muito ruído, pois há muita gente a falar ao mesmo tempo. Faz-me lembrar quando na ópera italiana é necessário imitar o ruído da multidão e o que todos pronunciam é a palavra ‘rabarbaro’. Porque imita esse som quando todos repetem ‘rabarbaro rabarbaro rabarbaro’, e o ruído crescente da informação faz correr o risco de se fazer ‘rabarbaro’ sobre os acontecimentos no mundo.” 

Ou seja, o ruído da Internet é a antítese da civilização, visto que para os gregos que são os pilares da civilização ocidental, bar bar bar era como soavam aqueles que não falavam grego. De fato o ruído anda alto, muito barulho, pouca música. Todo mundo pode gritar, espernear, xingar, é a "polaridade".

Para quem cresceu sem Internet na escola, foi um refresco poder acessar tanto conhecimento just in time, as Barsas da vida foram aposentadas, a qualquer momento se pode saber sobre qualquer coisa, procurando direito. Mas o que virou isso? Bar, bar, bar. Fotos com boca de pato, exposição de tudo que já foi escondido um dia, o que comi, o que bebi, onde estive, com quem, que horas, mas precisa ter muitas visualizações, senão não tem graça. E o mais bonitinho é que em geral são os famosos independentes que "não se importam com o que os outros pensam" que mais querem exposição. E as mentiras. As inverdades. As manipulações.

Isso tudo é chover no molhado, todo mundo sabe que a humanidade está perdida e que não tem como escapar das redes sociais ou do uso da Internet, ninguém quer ser os Amish da modernidade. Mas seria muito pedir um pouco de bom senso? Aparentemente sim.

Uma das coisas mais impressionantes hoje, talvez porque saiu de moda há tempos, é o silêncio. Ninguém cala a boca. Ninguém deixa os imbecis falando sozinhos, por isso eles têm tanta projeção.

O silêncio tem duas faces: aquele que queremos ao final do dia, depois de matar o leão, que na verdade é um silêncio ruidoso, porque o vizinho ainda está ativo, a TV está ligada, os apitos sociais-virtuais estão apitando, o helicóptero está passando para noticiar a desgraça do dia, enfim, especialmente quem mora em grandes cidades não sabe muito bem o que é silêncio.

A outra face do silêncio é aquela que faria tão bem viver. Quando nos vemos defronte a uma coisa grandiosa, que já vimos em fotografias, que já ouvimos falar, mas quando ela está ali à nossa frente, podemos tocar se for física ou sentir se não for, então é quase indescritível. Não se ouve nem nossa respiração, mesmo se estivermos cercados de gente de cabeça pra baixo e boca de pato fotografando para contar que está lá, tipo quem vai ao museu no Brasil. Ou ainda, o silêncio em meio ao clamor da batalha na Ilíada.

O apocalipse está aí, caso alguém não tenha notado. Os desastres naturais e os da autoria humana. Veneza se afogando, as republiquetas de banana revoltadas com o que armaram para elas mesmas, Hong Kong chutando as portas da China, a corrupção reinando sem rival no Brasil. Fome, guerra, como sempre existiu, variantes de um mesmo tema. Coisas inconcebíveis que um ser humano faz com outro.

Diante disso, só o silêncio. O que dizer? Onde estão as palavras? Ouvi as sirenes de aviso de alagamento em Veneza, aí estão as trombetas dos anjos. E nós, rabarbaro.


sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Alexandre o Grande, eu e as besteiras



Alexandre o Grande fez por merecer a fama que tem. Veni, vidi, vici bem antes de Cesar. O homem viveu pouco, mas aproveitou muito bem o tempo que teve, marchando, ceifando, conquistando. Mas ele não foi só beligerante, sua importância vai muito além da conquista física, de terras, de espaço. Porque conquistar é fácil, manter e administrar a conquista é que é o complicado. Mas ele além de grande era inteligente, espalhou a cultura (grega) pelo mundo muito antes do outro império que o copiou ter a mesma ideia (grega disfarçada de romana).

No entanto, o que é ainda mais interessante nessa breve vida, na minha opinião, é que apesar de ter conquistado meio mundo (ou mais de meio na época), são os casamentos de Susa, uma grande jogada de marketing. Susa era uma cidade persa onde foram celebrados casamentos por atacado dos nobres guerreiros de Alexandre e dele mesmo com as princesas persas. Dias de celebração à maneira dos donos das mulheres. O problema foi Alexandre morrer logo, porque os nobres guerreiros não queriam nada com as persas e deram no pé.

Onde quero chegar é: o sanguinário conquistador era bem mais esperto e "humano" que os militantes da atualidade. O que ele queria era estabelecer-se como dono da p**** toda, herdeiro de tudo que pudesse ser reclamado, mulheres, impérios, terras, palácios, enfim, tudinho. E para isso casou todo mundo, misturou todo mundo, gostassem ou não (não gostaram, vide o resultado quando ele não estava mais presente para impor).

O que vemos hoje são milhares de defensores de minorias que adoram separar as coisas, pessoas, opiniões, etc. em castas, pôr em caixinhas - branco, preto, vermelho, amarelo, magro, gordo, bonito, feio, esquerda, direita, cristão, ateu, e não importa o que se diga, a única certeza é que quando se abre a boca, alguém vai se ofender.

É o tempo todo um andar pisando em ovos, ou simplesmente deixar de falar com as pessoas porque os olhos reviram tanto que poderiam ir parar dentro do cérebro. Nunca se disse tanta besteira, nunca se contestou tanto as besteiras ditas com outras besteiras, nunca tantos faladores de besteira tiveram tanto espaço e divulgação. É muito bom o just-in-time para falar com as pessoas, saber as notícias em primeira mão, mas às vezes dá saudade do tempo em que a gente esperava o jornal de hoje para saber as notícias de ontem e escrevia cartas ou ligava para alguém do telefone fixo.

Eu não sou dona da verdade, aliás, me incluo nessa crítica, já me perguntei muitas vezes e conversei a respeito com as pouquíssimas almas que pensam como eu, por que eu continuo lendo e me indignando com as besteiras? É só não ler, desligar a TV, fechar ou sair da rede social, ignorar. Acabei concluindo que preciso do referencial para sentir um pouco de "normalidade". Se tem tanta gente mais doida, eu ainda não sou um caso perdido. Saudável foi tirar da frente 90% dos produtores de besteira, mas não basta, todo mundo produz besteira, e eu preciso vê-las para as minhas ficarem mais aceitáveis. Enfim, fazer os casamentos com as princesas persas. Eu não posso vencê-los nem vou me juntar a eles, mas fico olhando de longe para manter a perspectiva.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

El dia que te quise





El día que me quieras
La rosa que engalana,
Se vestirá de fiesta
Con su mejor color.
Y al viento las campanas
Dirán que ya eres mía,
Y locas las fontanas
Se contarán su amor.

Já iam dois anos desde a última vez que estive em Buenos Aires e eu já tinha me esquecido do porquê eu havia prometido a mim mesma não voltar mais. Porém a memória é curta e eu, ingênua avessa ao calendário gregoriano, sugeri uma "passagem de ano novo tranquila".

De fato, missão dada, missão cumprida, não sei se pelo resfriado que me atacou sorrateiro depois de um primeiro dia de chuvas e as drogas (lícitas) que usei para ameniza-lo, consegui dormir bravamente pelo que chamam de "passagem".

Mas minha esperança era ainda sair do ambiente tupiniquim para algo remotamente melhorzinho. Tolinha. Tenho uma amnésia pós-porteña cada vez que volto daqui, espero ter aprendido desta vez.

O Brasil está de doer e não é de hoje. Nem vou entrar nesse mérito porque há tempos minha paciência esgotou, e não fosse por algumas poucas pessoas e ideais eu já teria aberto mão até da nacionalidade.

O que eu quero mesmo registrar para mim mesma é - haja paciência para o drama porteño. Cai uma chuva por meia hora, o jornal anuncia dilúvio, dia que virou noite, enchentes. Temperatura real, 25 graus centígrados. Sensação térmica: 65, depois da chuva torrencial de dez pingos, 15 graus. Não sei mesmo como é essa sensação, provavelmente igual à falta de notícia que obriga o jornal a repetir 30 vezes a mesma coisa, caso haja alguém distraído que não tenha ouvido as primeiras 29 vezes.

A cidade que um dia foi a Europa latina, coitada, ainda não entendeu que isso acabou há uns 50 anos. O que ainda sobrou de bonito, prédios com pretensão parisiense, só olhando para cima e de longe para gostar. No alcance do nariz não há como gostar de Buenos Aires, que cheira a lixo e glórias passadas.

O chão, coitado, cheio de buracos, buracos que vão até a alma porteña que, coitadinha, diz que o Brasil é hipócrita e fascista. E tem a Fundação Kirchner, cultural. E a militância- pasmem - peronista. Isso me faz pensar o que leva um povo a ser refém de quem o oprimiu? Tenho teorias, mas minha boca fica mais bonita fechada.

Uma coisa de mulher agora - as porteñas são feias, mal tratadas, quando tentam uma maquiagem parecem um arremedo de máscara (e eu sei ZERO de maquiagem, vivo de cara lavada, amém). E as lojas de calçados - venho aqui há anos e isso não muda, é o gosto local - se não fornecem, deveriam fornecer porte de arma condicionado à compra. Que medo das mulheres que pisam duro com seus calçados perigosos.

A falta de educação com o turista é surpeendente. Do que vive uma cidade turística? Buenos Aires, aparentemente, de latidos. Que língua é essa? Ninguém se esforça para entender o portunhol dos turistas, se virem. Mais um motivo para eu me cansar em dois dias desse sotaque horrível que um bom espanhol deve abominar.

Há exceções? Raríssimas, que não bastam para definir uma cidade que em grande parte depende do turismo, como acolhedora. O povo é mal educado, azedo, a mídia é tendenciosa, são todos dramáticos.

Eu abriria uma exceção muito honrosa para o Parque de Palermo, justiça seja feita.


E digna de menção é a estação ferroviária - é entrar e pôr o pé na Itália. Lindíssima e bem conservada.


Uma pena as coisas boas serem exceções. Pelo menos tem vinho decente. Alfajor não, obrigada.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

O que eu faria se eu pudesse (?)



Terra vista da Lua via Apollo 8 em 1968.
Imagem da NASA.

Assisti um documentário sobre os  "desastres espaciais". Antes de mais nada, observo que foi por pura curiosidade mórbida, igual àquela que dá origem aos congestionamentos de trânsito. Mas para que mais seria feito um programa desses senão para o nosso voyer macabro?

Isso posto, e várias faces de horror e de enfado por mostrarem senhores de cãs com camisas floridas horrorosas e quepes (é esse o nome?) militares dando seus depoimentos de como foi horrível ver o fellow astronaut pifar ao seu lado ou ter que abortar a missão porque pifou um fio no número 6 da contagem regressiva, comecei a tecer algumas considerações.

Se não fosse suscitar olhares de pena, eu ainda mencionaria que não tenho certeza absoluta que o homem chegou à Lua. Mas o que é uma certeza absoluta, não é mesmo? É, por exemplo, que pouquíssimas pessoas chegarão ao espaço. Ou serão astronautas. Ou orbitarão sei lá onde, enfim, poucos farão coisas de astronauta fora da Terra.

Então lancei a pergunta - se você pudesse, tivesse todas as condições e preenchesse todos os requisitos, faria isso? A única resposta externa foi um lacônico não,não gosto nem de avião quanto mais essas bombas voadoras. As minhas foram mais ou menos iguais, não iria não, considerando-se as estatísticas do que já deu errado e que não tem museu pra visitar em órbita, eu declinaria.

Resposta fácil. Mas então pensei - que interessante fazer coisas que poucas pessoas no mundo podem fazer - entrar ou sair de órbita, governar um país, descobrir alguma coisa nova e relevante, ou seja, para poucos. Mas ainda dentro do "poucos". A todas essas minha resposta seria não, obrigada, governar dá trabalho e de gênio passei longe. Porém para poucos é possível - muito trabalho (não vamos falar de governantes e trabalho), dedicação, abdicar de tantas coisas... mas, ainda assim, possível.

A pergunta, porém, criou pernas. Ou asas. O que eu faria se eu pudesse? E como o reino do difícil mas possível não é bom o suficiente...

Você voltaria no tempo?

Você aceitaria a vida eterna?

Agora ficou difícil. Sabemos (ou achamos que sabemos) que ninguém voltou no tempo fora da ficção e ao que consta ninguém está vivo desde sempre. Eu adoraria voltar no tempo. Mas e o paradoxo se mudar alguma coisa? Imaginem todo mundo voltando e mudando alguma coisa ao mesmo tempo! Um looping eterno de confusão. Mas eu queria mesmo era ver de perto coisas surreais que a humanidade cada vez mais louca já fez.

A vida eterna também dispenso. Ainda mais se fosse para poucos, no estilo Highlander. Ver todo mundo ir embora século após século e ficar sentada sozinha na eternidade, esgotando a boa leitura e com tédio milenar? Não, obrigada.

Mas permanece a pergunta, o que eu faria se pudesse?

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

O herói chora, mas e daí?






Canto VIII
"Era esse o canto do ínclito cantor. O herói se aferra ao manto púrpura com mãos enérgicas e o traz à testa, encobre a expressão do rosto: o pranto defluir dos cílios frente aos feácios o envergonhava. Quando o aedo para, rosto enxuto, recolheu o manto da cabeça, soerguendo a copa de ansas dúplices aos numes. Assim que o aedo retorna ao poema, sob aplausos de altivos feácios, extasiados com racontos, o herói volta a chorar e reencobre a testa."

Odisseia, Homero; São Paulo: Editora 34, 2012, p. 221


Ulisses venceu a guerra, arrasou Troia, é o herói cantado até por um povo que ele nem sabia que existia, em cujas terras foi parar por ter estado perdido, surrado, castigado por Poseidon. Mas e daí? O bardo o canta, todos se entusiasmam com seus feitos, ele já vinha do idílio com Calypso, mas... e daí?

Acordamos todos os dias, nos arrastamos da cama, nos arrastamos para o trabalho, nos arrastamos pela internet, pelos bares, pelas ruas, pelos copos, pelos altares, e depois voltamos para começar tudo de novo, indo para não temos a menor ideia onde.

Por que essa azáfama diária? Para que? Por que nascemos e vivemos? Porque morremos é fácil - todo mundo morre mesmo, é a única coisa certa e talvez seja essa a razão de nascer. Se acaba depois da morte ou continua é demais para um mesmo parágrafo.

Se o herói chora porque sabe o custo da vitória, o que podemos fazer nessa vida comezinha, em que, a qualquer tempo, parece que só se está andando para lugar nenhum? A nostalgia de tempos não vividos e a ânsia por outros que viriam não resolve nada. A humanidade sempre sofreu, sempre trabalhou, sempre foi uma batalha não épica estar no planeta. Quando foi fácil? Quando vai ser? Respostas fáceis e idênticas.

É um consolo ser difícil para todo mundo? Não. Cada um tem que arrastar sua carga, e a do outro ser mais leve ou pesada para mim - na prática mesmo, sem laivos altruístas - não muda nada. E outro lado desta mesma moeda - o canto que tanto divertia e alegrava os faécios só causou dor ao convidado, o que havia de fato vivido o que estava sendo cantado. Dá o que pensar. Será que o que vemos todos os dias da vida alheia que sorri, posa, alardeia, é de fato a alegria da vitória de Ulisses? Que alegria, cara pálida? Parem de cantar isso, o convidado só chora! E que raiva dos ciclopes que não fazem absolutamente nada e recebem tudo de graça dos deuses. Será que tem disso hoje? Muitas vezes parece que sim, mas nem o ciclope escapou de ser enganado... e nem era tudo assim tão maravilhoso para Polifemo - ele tinha que cuidar das ovelhas, fazer o queijo... Nem tudo são checkins em aeroporto (ou nos portos do Mediterrâneo). E tem muita ilhota querendo ser a ilha de Calypso e buraco dizendo ser a caverna de Polifemo.

Ulisses fez uma viagem penosa de volta para casa. Perdeu-se, virou brinquedo nas mãos de Poseidon, pranteou suas perdas, mas sua viagem foi também de maravilhas, sobrenatural, povoada com criaturas fantásticas, lindas, monstros, amantes. Esperto, conseguiu ouvir o canto das sereias sem que elas o arrastassem, porque sabia que sozinho, humano (Andra) apesar de herói, não conseguiria resistir, e tomou as devidas providências. E com suas artimanhas acabou conseguindo chegar.   A dor de viver tem seu preço. Mas... e daí? Há que se continuar, arrastando os dias, e com sorte, gostar deles de vez em quando, e sem sorte, inserindo uns símiles homéricos para aliviar.