sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Barbaridades

O silêncio em meio à batalha



No princípio era o Verbo. Fiat Lux! E fez-se a luz. Hoje o Verbo está mais obscuro do que nunca esteve.

Umberto Eco já dizia em 2015, que “O problema da internet é que produz muito ruído, pois há muita gente a falar ao mesmo tempo. Faz-me lembrar quando na ópera italiana é necessário imitar o ruído da multidão e o que todos pronunciam é a palavra ‘rabarbaro’. Porque imita esse som quando todos repetem ‘rabarbaro rabarbaro rabarbaro’, e o ruído crescente da informação faz correr o risco de se fazer ‘rabarbaro’ sobre os acontecimentos no mundo.” 

Ou seja, o ruído da Internet é a antítese da civilização, visto que para os gregos que são os pilares da civilização ocidental, bar bar bar era como soavam aqueles que não falavam grego. De fato o ruído anda alto, muito barulho, pouca música. Todo mundo pode gritar, espernear, xingar, é a "polaridade".

Para quem cresceu sem Internet na escola, foi um refresco poder acessar tanto conhecimento just in time, as Barsas da vida foram aposentadas, a qualquer momento se pode saber sobre qualquer coisa, procurando direito. Mas o que virou isso? Bar, bar, bar. Fotos com boca de pato, exposição de tudo que já foi escondido um dia, o que comi, o que bebi, onde estive, com quem, que horas, mas precisa ter muitas visualizações, senão não tem graça. E o mais bonitinho é que em geral são os famosos independentes que "não se importam com o que os outros pensam" que mais querem exposição. E as mentiras. As inverdades. As manipulações.

Isso tudo é chover no molhado, todo mundo sabe que a humanidade está perdida e que não tem como escapar das redes sociais ou do uso da Internet, ninguém quer ser os Amish da modernidade. Mas seria muito pedir um pouco de bom senso? Aparentemente sim.

Uma das coisas mais impressionantes hoje, talvez porque saiu de moda há tempos, é o silêncio. Ninguém cala a boca. Ninguém deixa os imbecis falando sozinhos, por isso eles têm tanta projeção.

O silêncio tem duas faces: aquele que queremos ao final do dia, depois de matar o leão, que na verdade é um silêncio ruidoso, porque o vizinho ainda está ativo, a TV está ligada, os apitos sociais-virtuais estão apitando, o helicóptero está passando para noticiar a desgraça do dia, enfim, especialmente quem mora em grandes cidades não sabe muito bem o que é silêncio.

A outra face do silêncio é aquela que faria tão bem viver. Quando nos vemos defronte a uma coisa grandiosa, que já vimos em fotografias, que já ouvimos falar, mas quando ela está ali à nossa frente, podemos tocar se for física ou sentir se não for, então é quase indescritível. Não se ouve nem nossa respiração, mesmo se estivermos cercados de gente de cabeça pra baixo e boca de pato fotografando para contar que está lá, tipo quem vai ao museu no Brasil. Ou ainda, o silêncio em meio ao clamor da batalha na Ilíada.

O apocalipse está aí, caso alguém não tenha notado. Os desastres naturais e os da autoria humana. Veneza se afogando, as republiquetas de banana revoltadas com o que armaram para elas mesmas, Hong Kong chutando as portas da China, a corrupção reinando sem rival no Brasil. Fome, guerra, como sempre existiu, variantes de um mesmo tema. Coisas inconcebíveis que um ser humano faz com outro.

Diante disso, só o silêncio. O que dizer? Onde estão as palavras? Ouvi as sirenes de aviso de alagamento em Veneza, aí estão as trombetas dos anjos. E nós, rabarbaro.


sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Alexandre o Grande, eu e as besteiras



Alexandre o Grande fez por merecer a fama que tem. Veni, vidi, vici bem antes de Cesar. O homem viveu pouco, mas aproveitou muito bem o tempo que teve, marchando, ceifando, conquistando. Mas ele não foi só beligerante, sua importância vai muito além da conquista física, de terras, de espaço. Porque conquistar é fácil, manter e administrar a conquista é que é o complicado. Mas ele além de grande era inteligente, espalhou a cultura (grega) pelo mundo muito antes do outro império que o copiou ter a mesma ideia (grega disfarçada de romana).

No entanto, o que é ainda mais interessante nessa breve vida, na minha opinião, é que apesar de ter conquistado meio mundo (ou mais de meio na época), são os casamentos de Susa, uma grande jogada de marketing. Susa era uma cidade persa onde foram celebrados casamentos por atacado dos nobres guerreiros de Alexandre e dele mesmo com as princesas persas. Dias de celebração à maneira dos donos das mulheres. O problema foi Alexandre morrer logo, porque os nobres guerreiros não queriam nada com as persas e deram no pé.

Onde quero chegar é: o sanguinário conquistador era bem mais esperto e "humano" que os militantes da atualidade. O que ele queria era estabelecer-se como dono da p**** toda, herdeiro de tudo que pudesse ser reclamado, mulheres, impérios, terras, palácios, enfim, tudinho. E para isso casou todo mundo, misturou todo mundo, gostassem ou não (não gostaram, vide o resultado quando ele não estava mais presente para impor).

O que vemos hoje são milhares de defensores de minorias que adoram separar as coisas, pessoas, opiniões, etc. em castas, pôr em caixinhas - branco, preto, vermelho, amarelo, magro, gordo, bonito, feio, esquerda, direita, cristão, ateu, e não importa o que se diga, a única certeza é que quando se abre a boca, alguém vai se ofender.

É o tempo todo um andar pisando em ovos, ou simplesmente deixar de falar com as pessoas porque os olhos reviram tanto que poderiam ir parar dentro do cérebro. Nunca se disse tanta besteira, nunca se contestou tanto as besteiras ditas com outras besteiras, nunca tantos faladores de besteira tiveram tanto espaço e divulgação. É muito bom o just-in-time para falar com as pessoas, saber as notícias em primeira mão, mas às vezes dá saudade do tempo em que a gente esperava o jornal de hoje para saber as notícias de ontem e escrevia cartas ou ligava para alguém do telefone fixo.

Eu não sou dona da verdade, aliás, me incluo nessa crítica, já me perguntei muitas vezes e conversei a respeito com as pouquíssimas almas que pensam como eu, por que eu continuo lendo e me indignando com as besteiras? É só não ler, desligar a TV, fechar ou sair da rede social, ignorar. Acabei concluindo que preciso do referencial para sentir um pouco de "normalidade". Se tem tanta gente mais doida, eu ainda não sou um caso perdido. Saudável foi tirar da frente 90% dos produtores de besteira, mas não basta, todo mundo produz besteira, e eu preciso vê-las para as minhas ficarem mais aceitáveis. Enfim, fazer os casamentos com as princesas persas. Eu não posso vencê-los nem vou me juntar a eles, mas fico olhando de longe para manter a perspectiva.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

El dia que te quise





El día que me quieras
La rosa que engalana,
Se vestirá de fiesta
Con su mejor color.
Y al viento las campanas
Dirán que ya eres mía,
Y locas las fontanas
Se contarán su amor.

Já iam dois anos desde a última vez que estive em Buenos Aires e eu já tinha me esquecido do porquê eu havia prometido a mim mesma não voltar mais. Porém a memória é curta e eu, ingênua avessa ao calendário gregoriano, sugeri uma "passagem de ano novo tranquila".

De fato, missão dada, missão cumprida, não sei se pelo resfriado que me atacou sorrateiro depois de um primeiro dia de chuvas e as drogas (lícitas) que usei para ameniza-lo, consegui dormir bravamente pelo que chamam de "passagem".

Mas minha esperança era ainda sair do ambiente tupiniquim para algo remotamente melhorzinho. Tolinha. Tenho uma amnésia pós-porteña cada vez que volto daqui, espero ter aprendido desta vez.

O Brasil está de doer e não é de hoje. Nem vou entrar nesse mérito porque há tempos minha paciência esgotou, e não fosse por algumas poucas pessoas e ideais eu já teria aberto mão até da nacionalidade.

O que eu quero mesmo registrar para mim mesma é - haja paciência para o drama porteño. Cai uma chuva por meia hora, o jornal anuncia dilúvio, dia que virou noite, enchentes. Temperatura real, 25 graus centígrados. Sensação térmica: 65, depois da chuva torrencial de dez pingos, 15 graus. Não sei mesmo como é essa sensação, provavelmente igual à falta de notícia que obriga o jornal a repetir 30 vezes a mesma coisa, caso haja alguém distraído que não tenha ouvido as primeiras 29 vezes.

A cidade que um dia foi a Europa latina, coitada, ainda não entendeu que isso acabou há uns 50 anos. O que ainda sobrou de bonito, prédios com pretensão parisiense, só olhando para cima e de longe para gostar. No alcance do nariz não há como gostar de Buenos Aires, que cheira a lixo e glórias passadas.

O chão, coitado, cheio de buracos, buracos que vão até a alma porteña que, coitadinha, diz que o Brasil é hipócrita e fascista. E tem a Fundação Kirchner, cultural. E a militância- pasmem - peronista. Isso me faz pensar o que leva um povo a ser refém de quem o oprimiu? Tenho teorias, mas minha boca fica mais bonita fechada.

Uma coisa de mulher agora - as porteñas são feias, mal tratadas, quando tentam uma maquiagem parecem um arremedo de máscara (e eu sei ZERO de maquiagem, vivo de cara lavada, amém). E as lojas de calçados - venho aqui há anos e isso não muda, é o gosto local - se não fornecem, deveriam fornecer porte de arma condicionado à compra. Que medo das mulheres que pisam duro com seus calçados perigosos.

A falta de educação com o turista é surpeendente. Do que vive uma cidade turística? Buenos Aires, aparentemente, de latidos. Que língua é essa? Ninguém se esforça para entender o portunhol dos turistas, se virem. Mais um motivo para eu me cansar em dois dias desse sotaque horrível que um bom espanhol deve abominar.

Há exceções? Raríssimas, que não bastam para definir uma cidade que em grande parte depende do turismo, como acolhedora. O povo é mal educado, azedo, a mídia é tendenciosa, são todos dramáticos.

Eu abriria uma exceção muito honrosa para o Parque de Palermo, justiça seja feita.


E digna de menção é a estação ferroviária - é entrar e pôr o pé na Itália. Lindíssima e bem conservada.


Uma pena as coisas boas serem exceções. Pelo menos tem vinho decente. Alfajor não, obrigada.