terça-feira, 23 de novembro de 2010
Acordar bem cedo e sem a contaminação do mergulho diário e inexorável na "realidade", sem o choque do pensamento, assim, direto do não ser para o ser, e sair do sono direto para um sussurro no ouvido ainda que de muito, muito longe, é uma coisa que não dá pra morrer sem ter vivido.
E eu que nem sabia. Tanta coisa eu não sabia. Tanta coisa eu perdi. Não mais.
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
Eu não sei absolutamente nada de mim mesma. Isso é ao mesmo tempo espantoso e frustrante.
Há alguns anos eu não sabia mesmo a que viera, eu vivia em uma espécie de estado anestético e achava que era aquilo mesmo, mas como incomodava, acabei saindo do limbo e essa história é comprida. Mas aí ao sair do limbo, como nossa referência anterior é muito, muito ruim, achamos que qualquer coisa é muito boa, e me enganei muitas vezes achando extraordinárias coisas que eram somente razoáveis. Mas repito, a culpa é do parâmetro errado.
Com o tempo fui estabelecendo outros parâmetros e me esforçando para encaixar neles, e como consegui isso até que com razoável sucesso, achei que boa parte das minhas questões estava resolvida.
O que eu não notei é que estamos tão acostumados com determinadas coisas que mesmo quando achamos que saímos delas, elas apenas se disfarçaram em outras, tão peçonhentas quanto, mas com roupa de vovozinha. E os dentes enormes delas continuam cravados na nossa jugular, e nós vamos felizes e contentes cantando no bosque como se não tivesse um elefante na sala.
Eu poderia ter continuado assim ad eternum, porque estava achando que tinha resolvido tudo, inclusive estava bem valente e destemida. E espalhando bobagens para todos os lados, em atos e palavras. E o pior de tudo, com certeza de ter evoluído. Bem, comparativamente, a evolução corresponde à comparação da ameba com o ser humano, mas uma das coisas que aprendi é que não se compara com o que é pior.
E do nada as coisas tomam vida própria e todas as convicções, ideias pré-concebidas disfarçadas de brilhantes, emoções (mal) maquiadas, resoluções capengas e coragens falsas pulam da caixa de Pandora. E eu que sabia tudo de mim não sei mais nada. As certezas que eu demorei tanto a ter viraram pó. Eu ainda insisto em algumas difíceis de largar, mas fica cada vez mais patético isso. E outros olhos me observam atentos. Outras mãos me conduzem no caminho que me mostram, o caminho que vai surgindo em cima dos destroços que eu vou deixando para trás. E ombros largos me guardam. E braços e opiniões fortes me envolvem. É bom finalmente poder admitir a fraqueza e levantar dela com a ajuda de mãos potentes o suficiente para isso.
terça-feira, 16 de novembro de 2010
Eu nao gosto dos rótulos. As etiquetas grudadas na testa, as identificações penduradas em algum lugar como se fôssemos cadáveres. E é essa exatamente a questão - nomear me limita, me mata. Se eu digo que sou isso ou estou aquilo ou tenho aquilo outro, pronto, tenho que me encaixar nas definições correntes para essas coisas, supostamente tenho que seguir os caminhos traçados ou até traçar o meu mesmo, mas que invariavelmente vai ser limitado.
O que é isso que eu sinto? Eu sei o que é, mas não quero batizar. A capacidade que eu tenho de sentir é infinita. Como é que eu vou limitar em palavras e denominações aquilo que se passa em mim? Qual é a língua mais apropriada para os bons sentimentos? E para os maus? De acordo com quem? Se a minha língua materna não me bastar, posso pedir palavras emprestadas? Qual é a língua dos anjos do ágape de Paulo?
Então eu vou tateando como se viver fosse um daqueles jardins para cegos, onde se pode sentir. Mas eu vejo tudo, porque quando não cerceio a criação ela se expande. Ilimitada. Quando abrimos a porta o mundo entra. E são tantas as flores, tantos os perfumes, que seria um pecado cercá-los com nomes e definições, prefiro que fiquem em seu estado suspenso, e que cheguem a mim por outros meios que não os verbais, semânticos, reverberantes.
Quanto menos eu trago para o mundo da palavra mais intenso fica o que eu sinto. E quanto mais intenso mais prazer eu extraio e menos vontade de podar eu tenho.
Eu sinto em estado bruto. Inominada e inominavelmente.
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
As famosas frases de para-choque de caminhão às vezes encerram uma sabedoria inominável. Gostaria de citar "Deus deu a vida para cada um cuidar da sua".
Eu honestamente deveria hibernar, porque tanta gente cuida da minha que eu poderia nem me dar ao trabalho de levantar da cama.
Eu me perguntei muitas vezes o porquê disso, mas é tão óbvia a resposta, que agora até me divirto. Não vou dizer que sou uma santa que nunca fala de ninguém, que não sei o que é fofoca e tal, hipocrisia não cabe. Mas for god's sake, por que algumas pessoas direcionam suas vidas pela dos outros?
Assim: Se ela for lá eu não vou. Se você for lá não falo mais com você. Por que você trouxe ele junto? Eu só vou se você for. Não quero que você vá. Eu não posso ir porque tenho que - opção a = lavar o cabelo; opção b = cuidar do [insira aqui - cão, gato, passarinho, lagarto, bebê]; opção c = trabalhar - tradução: não vou porque não quero mas preciso de desculpas medíocres porque não assumo o que penso, prefiro ser evasivo(a) e dramatizar minha existência porque existência feliz dos outros me incomoda, eu amo a minha infelicidade.
Ou seja, todos os "se" ligam as vidas a outras pessoas, a outras decisões, como deve ser difícil não fazer o que se quer porque o outro vai ou não vai fazer também, como deve ser vazio viver em função da batida de outro coração, desejando-se que ele se envenene.
Meu consolo é: a mágoa é de quem a tem. O ódio envenena o coração que o sente. Invejem-me mesmo, eu mereço. Estou dando todos os motivos. Fiquem com o ódio e a mágoa que eu fico com os motivos para vocês ficarem com sua inveja.
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Pouquíssimas coisas estão verdadeiramente sob o nosso controle. Eu até me atreveria a dizer que praticamente nada. O mundo é pulsante, mesmo aquilo que aparentemente é estático e sem vida tem átomos em velocidade incrível se mexendo por dentro. E buracos enormes dentro deles, mas que não nos impedem de ter a ilusão de "real" e "palpável".
É difícil tentar ter o controle de tudo ou de pelo menos alguma coisa. Mas mais difícil ainda é finalmente digerir que isso não é possível. Às vezes parece que chegamos perto, e algumas pessoas acreditam que sim, que têm tudo sob controle. Essa crença é proporcional ao tamanho do tombo quando isso cai por terra.
Eu absolutamente não sei se amanhã vou estar bem. Aliás eu nem sei com certeza se vou estar viva. Com essa já aprendemos a lidar - ok, podemos morrer daqui a pouco, mas nem pensamos nessa possibilidade. Ou pelo menos lidamos bem com nossas conclusões, seja como for.
Mas vou estar bem? Estou bem agora? Vou viver na sombra ou escancarar as janelas? O que é futuro se nem sei do minuto a seguir? Viver hoje já não é mais opção, não há opção. Não viver hoje é a ilusão. A ansiedade que às vezes acelera meu coração não poderia ser mais inútil. Ao mesmo tempo, é bom que ela esteja lá. Ao ouvir o batimento acelerado me lembro constantemente que estou viva. E espero o próximo minuto.
sábado, 6 de novembro de 2010
Do I contradict myself? Very well, then I contradict myself
(I am large, I contain multitudes) - Walt Whitman
As teorias são lindas. Nós as elaboramos, passamos horas enfeitando, nos convencemos, saímos pregando, e a qualquer minuto - zás - elas vão por água abaixo.
Eu falo muito e muita bobagem. Mas algumas convicções que tenho - ou pensei que tinha - me são muito caras, por isso afirmo-as e reafirmo sempre. E quando eu menos espero elas se viram contra mim. Eu preciso falar menos eu sei, eu sou, eu faço, eu não vou. "Nunca" é uma palavra que caiu em desuso no meu vocabulário. Mas dessas outras palavras e expressões que eu achava que me definiam está sendo difícil me separar.
É bom ter alguém para jogar por terra todas as nossas certezas. Existem muitas coisas que eu não gostei e não gosto de ouvir, e haverá muitas mais. Ainda vou sentir muitas punhaladas no coração. O mais difícil no entanto está sendo ouvir os meus próprios nãos. E insistir em (ainda) encarnar a personagem que sofre. Ela não me serve mais. E no entanto me esforço para me encaixar nela.
Quando é que eu vou começar a obedecer a mim mesma? Quando foi mesmo que eu optei por desembestar a fazer bobagem? Ainda bem que tem muita gente que me pede os conselhos que eu preciso dar a mim mesma, talvez de tanto me ouvir eu decida me atender.
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
Todas as coisas passam.
Não é nenhuma novidade, mas as nuances que vão aparecendo ao longo da vida é que são sempre surpreendentes, ainda que só corroborem o que é o definitivo - vai passar.
Não sou muito afeita a dramas, a convivência com drama queens variadas por muito tempo me deu um certo fastio disso, mas devo confessar que eu mesma já sucumbi à sensação de vivenciar a dor em alto e bom som; não sei porquê, mas parece que todos gostamos disso, alguns às vezes, outros como estilo de vida.
Eu vivi os meus dramas, exagerei, lágrimas jorraram, eu senti o coração partido e esfaqueado, falei que faria coisas - e teria feito mesmo - que por alguma intervenção divina acabei sendo impedida de fazer, amém.
O fato é que quando estamos na dor e sem a menor vontade de sair dela, as dimensões de tudo ficam retorcidas, os monstros que normalmente vivem no porão invadem a casa, cometemos desatinos, falamos montes de insanidades, comportamo-nos com o máximo de insensatez possível, saímos na rua descabelados, com olhar esgazeado, olheiras de zumbi, postura de corcunda de notre-dame, ar de o-mundo-acabou. Isso dura tempos variáveis, como somos obviamente diferentes cada um tem seu tempo de luto.
E um dia - voilà - em algum momento, no meio de um gesto, em uma sensação na garganta ou borboletas no estômago, naquilo que fazemos automaticamente todos os dias, em uma maneira de olhar, nas entrelinhas, no não dito, ou na discrepância entre as palavras e os atos, na honestidade, na sinceridade, na descoberta que nada é tão grave assim, tão esmagador assim, tão doloroso assim, na expressão que muda, na luz que volta a acender no olhar, no sorriso fácil, na descoberta da tranquilidade do amadurecimento, no reconhecimento da mudança, na visão do abismo onde nos sentimos prontos para pular de olhos fechados - de novo; em tudo isso renascemos, a dor não doi mais, o buraco no peito se fecha, os pedaços que pensávamos ter perdido milagrosamente se juntam, a grama fica mais verde, as soluções começam a aparecer, we get up, get dressed and get going, e mais uma vez, antes da próxima tempestade, aproveitamos a joie de vivre, que passa também.
And then all over again. And over again.
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
Eu não acreditava muito em perdão, porque nunca soube perdoar de verdade, e achei que isso não existe mesmo, porque por mais que passe o tempo e as coisas mudem, aquilo que fingimos perdoar vai estar sempre lá, não existe o esquecer.
Eu mesmo sem ter a intenção - e muitas vezes com intenção bastante direcionada - dei motivos para não ser perdoada. Em algumas ocasiões por simples ignorância de vida, por estar crescendo, fui pisando sem saber em terreno frágil que depois acabou erodindo. Outras vezes, mais tarde, pisei mas tentei amenizar, e inúmeras vezes dei mesmo motivos para não ser perdoada, porque o perdão ou a ausência dele não me faziam a menor diferença mesmo.
Hoje, vivendo uma situação onde o não perdão tenta de todas as maneiras possíveis me esmagar, tive uma revelação em relação ao meu perdão, que afinal de contas, parece que existe.
Eu já disse aqui que não conhecemos ninguém. Não é possível dizer - essa pessoa jamais faria isso comigo. Faria, sim. Isso e pior. Mas também não vivemos a dor alheia. E a dor é o que leva ao não perdão. As mágoas levam as pessoas a tomar atitudes que, em outras circunstâncias talvez não tomariam. E eu não estou justificando ninguém, porque sou eu a atingida, e não tem justificativa.
Mas tenho que dizer que, apesar de tudo, me alegro, porque olho de fora e vejo que cresci. Tudo o que podia ser feito para me magoar foi feito, mas foram coisas somente materiais, porque foi só o que restou para me atingir. Ou seja, continuo pairando fora de alcance. O que é material reconstruo. Ao que não dou acesso, não haverá acesso. E nem é proposital, não. Não é vingança. É só o andamento natural das coisas. A gente muda, algumas pessoas acompanham, outras não. Vidas tomam rumos diferentes. E por mais que as setas tenham sido lançadas na direção do meu coração, elas só atingiram o cenário material que me cerca.
O meu coração está tão em paz que, no matter what, que venham as setas, as balas de canhão, os bombardeios, as granadas, tudo se desmancha no ar. Tente pisar, ofender, impor, só o que eu consigo sentir é compaixão. E sendo assim, eu perdôo. E perdoando, meu coração ganha ainda mais paz.
O perdão existe, after all. É uma boa notícia.
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