Eu
sou mãe, tenho mãe, tive vó até um bom tempo. Mas não vou falar de Dia das
Mães. Eu odeio todos os Dias de alguma coisa. Nem vou entrar no mérito do
comércio, mas acho que é porque sou mesmo uma pessoa horrorosa. As homenagens
me dão canseira e acho tudo muito chato. Eu cumpro a tabela, porque vivo em
sociedade, portanto tenho que ao menos parecer normal.
Porém
frequentemente sopram ares familiares ao meu redor. Eu sou primeira filha,
primeira neta, sobrinha, etc., a mais estragada e no entanto a que tem um senso
de amor familiar mais depurado, com toda modéstia.
Meu
avô nasceu na Ilha da Madeira, em Portugal e muito pouco convivi com ele.
Quando ele se foi eu tinha sete anos e ele foi longe de ser o avô que meu pai é
para minha filha. Sisudo, eu nem me lembro da voz dele, só guardo com amor o
anel de ônix que ele me trouxe quando foi ver pela última vez a terra mãe, já
de avião, o que era o luxo dos luxos nos idos de 1970.
Na
verdade eu tive mais contato com a minha tia Paulina, irmã dele, apesar de nunca
tê-la visto. Nós nos correspondíamos. Sim. Carta. Papel. Caneta. Ir ao correio.
Era uma emoção para mim, sabe-se lá para ela. Os primos que vinham de Portugal
sempre traziam as recomendações de saber como eu estava.
Eu
fui a Portugal com vinte e poucos anos e não a visitei. Com vinte e poucos anos
a gente acha que tem coisas importantíssimas para fazer em uma viagem e acaba
deixando de lado o que interessa, mas é assim. Pouco tempo depois ela se foi
também, e meu primo disse, perdeste a oportunidade de vê-la, ela queria tanto.
Há
um mês atrás, depois de muito viver, conviver com família, ganhar membros
novos, perder insubstituíveis, fiz o caminho inverso ao do meu avô no começo do
século. Fui de navio à Ilha da Madeira. Ao chegar, perdida, com um papelzinho
com meio endereço, porque na época em que minha tia me escrevia a aldeia era
tão pequena que todo mundo sabia quem ela era, nem sabia se queria ir procurar,
com medo da decepção de não achar.
Mas
os anjos me mandaram o seu Virgílio, o motorista de táxi. Ele não só me levou à
Ponta do Sol como foi mostrando tudo o que tinha até lá. Bananeiras a perder de
vista. Mas ao chegarmos a mini aldeia era um bairro inteiro e não se tinha como
saber onde nascera meu avô e onde morara a Tia Paulina. E novamente os anjos me
deram vontade de tomar café e eu fui tomar café no café do marido da afilhada
da Tia Paulina. Como foi isso? Sei lá, começamos a falar de nomes, sobrenomes,
ele teve um clique e disse – mas é a madrinha da minha mulher!
Lá
fui eu para a casa da tia Paulina e de repente o bairro todo sabia quem ela era
e onde era a casa, e eu fui lá, coração aos pulos, passando pelas ruelas,
casinhas, casonas, bananeiras sem fim (a Ilha da Madeira produz bananas pacas)
e chego em uma casa com uma senhorinha lavando o quintal. “A senhora sabe onde
era a cada da D. Paulina”. “Ó, pá. Claro que sei. É esta aqui.” Depois das
explicações de quem eu era, vi a casa toda da minha tia Paulina das cartas de
35 anos atrás, pus as mãos nas paredes e ainda vi uma foto que a Dona Amália, a
nova proprietária guardava com carinho – uma foto igualzinha a uma que eu tenho
comigo, do meu avô bem pequeno com os irmãos.
Eu
realmente sou uma ovelha negra. Não compareço a aniversários, não comemoro
datas, não visito bebês e doentes, sou péssima anfitriã. Mas voltar à casa onde
meu avô nasceu foi uma coisa que não vou saber descrever. É um sentimento maior
que família, é como se eu estivesse, por exemplo, em Marte, e visse um outro
terráqueo. É a sensação que a gente tem quando ouve um brasileiro falando em
outro país. Fazemos parte. Os genes fervilham dentro do corpo. O coração
reconhece o lugar onde nunca estivemos fisicamente. Eu fiquei lá tocando,
sentindo os cheiros, o sol, vendo o mar através das bananeiras e imaginando que
parte de mim ficou lá sem eu nunca ter ido antes e que eu estava reencontrando.
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