sexta-feira, 29 de junho de 2012
Que venga el toro
Eu venho adiando há meses para falar sobre isso, mas como agora já comecei lá no Primeira Fonte, ganhei coragem.
Eu fui ä tourada. A princípio por curiosidade, acho que faria mais sentido dizer "ir à Espanha e não ver a tourada"que "ir a Roma e não ver o Papa". E eu tinha perguntado a respeito a uma pessoa que me ensinou muito e muito sabe sobre muita coisa. Ele me deu uma perspectiva totalmente diferente, matar o touro é matar o animal que existe em nós, é evoluir. Eu tive que ir lá ver.
Nestes tempos ecológicos eu tenho medo de abrir a boca, porque primeiramente não acho que o diabo seja tão feio como o pintam, segundo, porque acho uma chatice, e terceiro, não, não faz diferenca nenhuma reciclar o lixo (mas mesmo assim eu reciclo). Crucifiquem-me, mas não dou a mínima para os animais em extincão, me peocupo mais com a extincao da civilidade e gentileza humanas. A priori, matar o touro é obviamente uma covardia. O espetáculo todo é uma covardia. O touro não tem a menor chance, el matador não mata coisa nenhuma, só floreia, porque o pobre do touro já está lá para onde os touros vão quando morrem.
Mas. Panis et circenses. Atire a primeira pedra quem não desacelerou para ver o corpo estendido na estrada no acidente de carro, quem já não brigou por ninharia, especialmente nestes tempos de futebol todos os dias. Nós amamos o espetáculo. Filmes de terror, suspense, investigacao criminal em detalhes, sangue jorrando, tudo isso alimenta o bárbaro em nós.
Obviamente estou falando de mim, tenho certeza que existem milhares de santos que estariam boquiabertos se estivessem me lendo. O nós é só permissão gramatical que me dei.
Mas a minha barbárie a princípio me assustou. Primeiro entrei para ver só duas corridas, depois, olhos estatelados, não havia quem me tirasse de lá antes do último suspiro do último touro. De todos os toureiros só um deu um grande espetáculo, os outros touros ao menos morreram com dignidade. Mas me apavorei com o prazer de ver isso, de olhar lá de cima da arena, o povo gritando, o touro sangrando, sendo arrastado, picado, a espada atingindo aquele ponto exato que o bom toureiro conhece. Me senti em Roma vendo os leões pisoteando os gladiadores. É surreal a viagem aos nossos primórdios que fazemos ao vivenciar uma experiência dessas, a luta, a sede de matar, os vivas ao vencedor covarde.
A questão filosófica de vencer o animal que mora em mim? Rá. O animal foi é libertado. Pensando muito já fiquei satisfeita em ter pelo menos refletido a respeito dessa minha sombra, que vive em mim e eu conheco tão bem. Nós todos temos, é só procurar, ao invés de deixá-la amordacada no porão. Porque um dia ela se solta, e aí é que mora o perigo. A minha sombra passeia solta pela casa, às vezes se manifesta, mas como está acostumada com a liberdade não tem necessidade de grandes arroubos. Descobri que essa é a melhor maneira de lidar com ela, a mais segura. Eu não sou plácida, porque o meu dark side espia por trás dos meus olhos o tempo todo. E o touro sai, deixando um rastro de sangue.
E ainda, vou extrapolar para outro departamento. Existe toda uma sequência de golpes para neutralizar o touro. Os picadores são os que na verdade tiram a vida do animal, em seguida os banderilleros o deixam desnorteado, e depois, EL TERCIO DE MUERTE, onde vem o golpe final. Eu venho pensando nisso a respeito do final de um grande amor bem vivido. É muito mais difícil que matar um touro. A gente neutraliza de toda maneira o sentimento, passa horas se convencendo que acabou, que sabemos o que é o melhor, mas só chegamos na colocacão das bandeirinhas. Diferentemente da tourada, o amor agonizante demora muito mais para se render. Voltamos atrás, percebemos de novo o óbvio, e tomamos coragem de pegar na espada. Mas é preciso ser um bom toureiro para um tercio de muerte decente. Eu tenho dado os golpes nos lugares errados. Existe o ponto exato que atinge o coracão do touro. Aí sim, é o fim. Eu ando meio míope. E o touro é valente. Mas não pus a espada de lado. O golpe final virá. Melhor preparar os lencos brancos.
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