sábado, 3 de novembro de 2012

Intraduzível


Que eu sou alienada acho que já deu para notar, não falo de atualidades, só de banalidades. E aqui vão mais algumas, mas antes tenho a declarar a meu favor que falei dos índios, já que está todo mundo com comichão por esse assunto, mas foi lá no Primeira Fonte e já faz um tempo.

Isso posto, agora quero falar as minhas banalidades em homenagem a uma pessoa nada banal, minha amiga Eva que está tendo the experience of a lifetime no país estranho que também teve índios polêmicos, porém não tão dramáticos. Ela, perfeccionista que é, todos os dias se degladia com a ausência das palavras para se comunicar como gostaria.

Eu já fui jovem como ela (faz tempo) e uma das vantagens da maturidade (não existe a palavra velhice) é entender como funcionam certas coisas. Eu estudo, trabalho, leio, respiro em outra língua todos os dias. É minha profissão e me agrada. Como já fui professora e estudante, sei exatamente como funciona o processo de aquisição de uma outra língua. Até chegar o momento do clique, que eu sabia identificar nos meus alunos, a gente sofre tentando pelo menos se fazer entender. Depois do clique (que a Eva já teve) pensamos na outra língua, daí o google translator que trazemos embutido no cérebro e é isso mesmo, um google translator que só atrapalha, para de funcionar. Pronto, a mágica está feita, e aí a gente estuda mais um pouco e faz aí uns testes para ter um papel que comprove que sim, oficialmente você fala aquela língua.

Lindo, mas falar uma língua, por mais perfeição, fluência e proeficiência que se tenha, não significa SENTIR nessa língua. Não estou falando aqui de cultura, que também se adquire, mesmo sem saber a língua, mas sim de uma coisa além disso.

Eu sempre achei um mistério casar com alguém que não tivesse a mesma língua materna. Quando digo casar, digo relacionamento a longo prazo, é só uma denominação, porque todo mundo sabe que a curto e curtíssimo prazo nem precisa de muita falação. Mas realmente ter um relacionamento romântico com alguém que não fala na mesma língua que a gente é, pra dizer o mínimo, cansativo. Obviamente existem inúmeros casamentos assim que dão certo, estou falando só da minha modesta opinião.

Quem pôs isso muito bem foi uma outra amiga sabida que eu tenho, a Gi, que teve experiência bem-sucedida no assunto mas disse: "Precisamos de alguém que entenda a meia-piada". E vamos combinar que meia-piada só na língua materna.

Namorar alguém em outra língua é mais fácil para quem fala menos e não é tão verborrágica como eu, porque na verdade o que fez toda difereça na minha escolha de vida acabou não sendo o príncipe encantado, o bonito, o inteligente, o isso ou aquilo, não que tudo isso não conte, com exceção do príncipe encantado que está mais extinto que dinossauro, o resto vale, mas o que me ganha mesmo é uma boa conversa. Em português. Primeiro, porque quem pode se comunicar em uma língua onde não existe o conceito de SAUDADE? Ahn? E ser e estar se comunica com o mesmo verbo? Ahn? Oceanos de diferença entre ser alguma coisa e estar alguma coisa. E como trocar referências com alguém que não sabe o que é Caetano, Gil, Chico, Titãs, Cazuza, Sidney Magal? E o que a gente diz quando só um sonoro PQP traduz o momento? Shit? Não chega nem perto. E as nuances de sotaque (eu sei, toda língua tem, mas a nossa é mais legal)? E como é que se explica que eu não sou a Pocahontas?

Difícil. Por mais boa vontade que os príncipes internacionais tenham - e têm - acabam sempre virando sapões. Ou talvez seja só eu, que não sou princesa nem nada, porque muitas amam seus faladores de outras línguas e vão muito bem, obrigada.

Até a Bíblia categorizou isso como maldição... Impediu a gente até de chegar ao céu... Pura falta de comunicação.

O amor pode ser universal, mas algumas formas de amor para algumas amadas e amadoras são muito, muito particulares. E monolíngues.

7 comentários:

Gisa disse...

Uma coisa que o Eric sempre me perguntava era por que quando eu brigava com ele era sempre em francês e a minha resposta era "Porque eu quero que você entenda exatamente o porquê da briga". Acho que tenho algum know-how do que você relata porque só fui ter namorado brasileiro depois de ficar viúva. Minha língua materna é o português mas considero o francês quase como tal. O relacionamento entre pessoas de nacionalidades diferentes tem mais dificuldades do que apenas a língua, infelizmente. Os hábitos e costumes, as tradições, tudo difere. Aquilo que no seu país pode ser super normal para o outro é uma aberração. Requer uma paciência de Jó dos dois lados. E claro, tanta dificuldade só é superada com doses cavalares de amor. Beijos

K disse...

Engraçado, tenho um relacionamento de looooongo prazo com um francês.Ele entende as meias-piadas.O que ele não entende é todo o resto.

flordelis disse...

K, sempre fica uma coisa por entender :), mas é muito pessoal, que bom que você conseguiu mais que eu.

dionete disse...

desculpa, mas estrangeiro não entende o CONCEITO de saudade? não há TRADUÇÃO LITERAL do termo, mas daí dizer que esse sentimento é digno apenas dos falantes da língua portuguesa é um pouco demais, não acha?

flordelis disse...

Olha, Dionete, não acho isso não, sentimento é universal, é da raça humana, o que eu quis dizer é que cada língua expressa de um jeito o que sente, então, "miss someone" e "saudade" para mim são conceitos diferentes, o que absolutamente não invalida nem diminui nenhum dos dois. Eu vivi a experiência, eu é que não sei expressar :-)

dionete disse...

oi, elaine - antes de mais nada, desculpe se dei a impressão de ser meio ríspida, mas é que estou cansada de ouvir o pessoal por aí falando sobre o tal conceito de saudade como se só quem fala português fosse nobre o suficiente para compreender esse sentimento, salve, salve. a verdade é que sou casada com um asutraliano há dez anos e achei interessante a perspectiva do seu texto.

na minha experiência, algumas coisas se perdem, sim, principalmente piadas (explicar piada não dá, né?) e algumas referências, mas, por enquanto, o fator sapo ainda não se manifestou :)

flordelis disse...

não foi ríspida, não, adoro ouvir outros pontos de vista, e acho que o mérito é seu o fato do fator sapo não se manifestar, eu é que nesse aspecto sou monolíngue - e olha a ironia - sou tradutora :-)
explicar piada? pffff... E meia piada então?
beijos pra você