domingo, 17 de julho de 2016

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Texto publicado no Primeira Fonte em 09/07

 Há muitos anos, quando eu ainda era inocente e cantar o Hino Nacional em fila na escola ainda não era motivo de execração pública por “fascismo”, apesar de não saber as dimensões que essa palavra pode ter, eu tinha uma espécie de alegria por ter nascido no Brasil. Depois as dimensões foram se revelando e houve tempos áureos em que era bom morar em um país sem guerras e sem grandes desastres naturais.
O tempo vai acrescentando anos e tirando ilusões. De fora qualquer perspectiva muda anos de certezas. Se havia dúvidas, então, aí olhar o país de longe e fazer comparações põe à prova qualquer ufanismo quando se vem de onde eu venho.
Abri mão de discutir posições políticas pelo bem da minha saúde mental e para não ter que escolher se tiro da minha vida pessoas por razões dúbias. Então vou logo ao assunto que me tocou a ponto de arriscar abordar assunto tão delicado.
Há sempre o gatilho, a surpresa que parece pequena e dispara sentimentos e pensamentos galopantes. Estou em Assunción. No meio da tarde, no meio da cidade, no canto da praça, a singela apresentaçao de danças típicas protagonizada por crianças alunas de uma escola de danças. Note-se que não se trata de escola pública onde se faz fila para a bandeira. A bandeira, aliás, é presença marcante em toda a cidade - edifício públicos, privados, praças, escolas, comércios, hotéis, centro e periferiamuita gente tem sua bandeira e a exibe com orgulho. Mas aqui tratava-se de uma escola em que se paga para aprender a dançar.
As meninas com suas saias com vários metros de roda, os meninos com chapéus galantes. Elas com flores nos cabelos e um treino de equilíbrio que mostra que as danças típicas são aprendidas desde cedo, os rostinhos maquiados sorrindo para a estrangeira aqui tirando foto, o orgulho que me deu inveja. Depois de dois pecados mortais na mesma frase, uma dor. Pensei nos trajes da Bavaria que vi há duas semanas em Munique, envergados com naturalidade por homens e mulheres em sua rotina, trajes e tradições que depois de tanto tempo e fatal influência local, os alemães ainda usam no Brasil com amor.
E então, penso no que fiz para representar meu país na minha infância. Ou depois dela. Ou em algum momento da vida. Nesta última vez, trinta dias peregrinando por aí, torci para que ninguém me perguntasse de onde eu era, vergonha internacional que somos. Algumas vezes ainda disse, bem baixinho, que triste. E na semana em que retorno, recebo a notícia de que já sou cidadã portuguesa, é só ir buscar os documentos.
Não temos danças típicas. O samba nada mais é que instrumento monetário. Não temos políticos decentes, independentemente de partido. Não temos nada decente a oferecer aos atletas olímpicos, só sujeira e insegurança. Onde estarão nossas crianças que não apresentam danças folclóricas na praça? Se não tiverem a sorte de estarem trancadas em casa mergulhadas em um telefone celular, estarão nas ruas. Nos morros. Nos faróis. Nos prostíbulos. Nas casas funerárias.
E me lembro das danças de primavera na Ilha da Madeira. Nunca é tarde para mudar. Me dói um pouco, mas minha alma já é estrangeira onde mora.

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