sábado, 1 de outubro de 2016

Cinqüenta


Meio século. Cinco décadas. Jubileu. Qüinquagenária (aqui o trema não morreu, quem manda sou eu). Eufemismos ou sinônimos, eu cheguei aos cinquenta anos. Aniversário para mim há muito tempo já não passa de um dia como os outros tantos, primeiramente porque não gosto da maneira como o tempo é contado, e segundamente (aqui também pode esse advérbio) porque não faz mesmo a menor diferença. Com o advento das redes sociais, gostei do que houve, somos devidamente avisados e podemos parabenizar aquelas pessoas de quem gostamos sem a preocupação de quem já mal se lembra do próprio aniversário, quanto mais dos distantes. E adorei o carinho, e me fez pensar muito, em como (em que estado, não por qual meio) eu cheguei onde estou agora.

Eu escolhi não acreditar em inferno astral, porque acho que já temos infernos suficientes, além de discutir muito o quanto essa palavra injustamente carrega a pecha de coisa que não é boa. Mas, provavelmente não pelo período do ano, mas pela minha própria resistência em teimar, passei pelo pior de todos até hoje. Dor aqui, dor ali, médicos, exames, fisioterapias. Mas agora decretei que chega, acabou, só apagando as últimas chamas dos incêndios, rescaldo já.

É engraçado mudar a idade, nada muda, mas tudo mudou, dependendo da perspectiva. Coisas que aconteceram há vinte anos parecem que acabaram de acontecer, coisas da semana passada já esqueci e talvez me lembre daqui a dez anos. Os nossos conceitos de "velho" são extremamente móveis, há muito pouco eu achava quem tem cinquenta anos velho. E não me acho velha, ou sei lá, depende para quê.

E aí é que está o ponto. O melhor de tudo isso é que - I don't care. Aqui é um ponto em que eu sorrio e aceno, tenho preguiça de discutir qualquer coisa, se eu tiver que concordar com algum absurdo para parar de ouvir besteira, concordo imediatamente. Outra coisa boa é não precisar mais provar nada para ninguém. Se for para facilitar a minha vida, me faço de frágil, de burra, de incompetente, de ignorante, qualquer coisa para não ter que alongar a conversa tediosa. Porque meu tempo tem sido empregado em conversas boas, com pessoas escolhidas a dedo. Alguns cortes foram difíceis de fazer, vampiros que sugavam minha pouca energia com lamentações e arrastar de correntes, verborragia vazia, ou egos inflados. Algumas doeram muito mesmo, e responder à pergunta "por que?" foi penoso, algumas ficaram sem resposta, não vai levar a nada, não me acrescenta, não me serve.

A grata constatação foi de quanto conquistei em patrimônio humano. Depois de um fracasso de casamento que me roubou muitos anos, a vida realmente começa aos quarenta. Esta última década tem sido a melhor de todas. Gosto da minha caverna, mas hoje as cavernas têm janelas para o mundo, e a minha janela está sempre aberta, por ela saí ao encontro das melhores pessoas.

Lindo é constatar que conheço pessoas há uma, duas, três e quatro décadas. E de um a dez anos, as mais recentes, e já peneiradas. As de quatro décadas, obviamente, se perduram, são dignas de nota. Pessoas da infância, da adolescência, da faculdade, dos anos de trabalho em várias profissões (que sorte a minha ser multitask), irmãos de várias fés - as fés se foram, as pessoas ficaram, e a atual trouxe as melhores energias. Colegas de profissão, tive a sorte de conhecer vários mundos através de várias línguas e depois parti para o mundo com ou sem conhecimento da língua, e isso foi, é e vai ser sempre o melhor de tudo - pôr o pé no desconhecido, com ou sem companhia, tocar o que está lá há séculos, respirar o mesmo ar de reis, mestres, artistas. E ganhei minha segunda pátria que já é a primeira na ordem do meu coração. Parentes que se foram e que chegaram, crianças, bebês, próximos, distantes mas grudados no coração, válido para os que chegaram e para os que foram. As perdas são imensas, os ganhos maiores.

Tive a sorte de uma família equilibrada, de uma vida com cérebro que me permite saber mais e mais, e de companheiros de viagem (adoro clichê) que iluminam o caminho, este que eu vejo e especialmente o que eu não vejo.

A maior das minhas criações foi criar outra pessoa, e ver hoje essa criatura tomar as rédeas e criar a própria história é uma das coisas mais gratificantes, a maior de todas, seguida das minhas criações com cérebro.

É bom chegar aqui com esse patrimônio de pessoas, conhecimento, milhas viajadas, leituras, experiências - boas e más, e melhor ainda é ter aprendido que o tempo é precioso demais, e não tenho mais pressa, o segredo de resolver o que é urgente é fazer devagar.

A gente devia era nascer com cinquenta anos.

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