segunda-feira, 29 de março de 2010

Eros e Psiquê


Visitei esta obra ao vivo, e ainda me surpreendo como a arte nos toca (pelo menos a quem está vivo). Só tinha tido uma sensação assim ao ver a Pietà, imagem e sensação que me acompanham há anos. Não entendo nada de arte, nem vou me atrever a discutir, mas sei o que sinto. E o impacto ao me deparar com esta à minha frente foi um desses raros que temos em uma vida toda - epifânico. Parece que a princípio este seria Zéfiro, mas depois de exposta a obra, Rodin mudou o nome para Eros e Psiquê. Não vejo como poderia ser de outra maneira. Nosso imaginário coletivo, os arquétipos, as referências, tudo associa Eros e Psiquê ao amor. Mas aqui é que estão as observações que não querem calar. Venho sentindo e pensando há dias, e foi então olhar e compreender. Muito se diz sobre a diferença entre amor e paixão. Muito já se disse e ainda gerações e gerações vão dizer. O que é interessante é que amor é sempre o sentimento nobre, elevado, paixão sempre associada a desatino, fugacidade, justificativa de crimes, é uma marginalizada. No entanto, quando se diz, fulano está apaixonado, pensa-se que ele ama alguém. As palavras são imprecisas. Olhando Eros e Psiquê retratados por Rodin, não posso pensar em amor, pelo menos não como ele é definido em geral, então ou desencaixo da definição ou arrumo outra para mim. Paixão se encaixaria melhor se ela for mesmo o que dizem dela, mas mesmo assim, ainda cabe mais no sentimento do que a palavra expressa. Sem mencionar a perfeição da obra, talvez pelos detalhes magníficos, por ser tecnicamente perfeita, ou por motivos outros que não cabe discutir, o impacto que ela me causou foi de tirar o fôlego. Alguma coisa exala dali que tentei nomear e amor e paixão não se prestaram ao papel. Eu vejo aqui uma coisa que chamei de arrebatamento, a palavra que mais atendeu tanto ao que eu senti ao ver como o que transpira da obra em si. Mesmo sem pensar nos retratados, sem ter a referência de Eros e Psiquê, o que transparece ali é uma entrega, um abandono que fica difícil definir. Quando penso em paixão penso em algo que me tira a razão e não gosto disso, quando penso em amor penso em paixão precipitada no concreto, no dia-a-dia, e as imagens dantescas de casa-família-filhos-almoçodedomingo-tédiomortal-fimdoamoredorespeito saltam aos meus olhos. Mas o arrebatamento. Este sim me agrada. O que aparentemente pode parecer superficial estende-se em camadas pele adentro, mas sem passar pela pieguice de sentimento dramático, sem instintos criminosos, vai direto na veia. São ondas de puro prazer de estar viva e compartilhar esse prazer com alguém. É físico, mas alcança a alma. É um momento fora do tempo, é o simples compartilhar que não está inserido em nenhum contexto, é por ser, sozinho, auto-suficiente, independente de convenção, do eu deveria, do mas, do e depois. O arrebatamento não pede palavras, trajes especiais, hora marcada, definições, ele apenas é. Só me resta me deixar ser.

Um comentário:

Luci disse...

ai, ai! estou adorando tudo isso.
antes de tudo vamos deixar claro que Rodin é um genio.
e que ainda não sabe diferenciar amor de paixão, faz da vida um inferno!
bj