sexta-feira, 5 de março de 2010

As cerejeiras, a linguagem e o veneno


O copo de veneno me encara de frente. Me desafia, me olha nos olhos e se oferece sem pudor. Assisti ao filme “Cerejeiras em Flor”, de fotografia maravilhosa, um alento aos olhos e aos ouvidos que ouvem uma língua diferente da hollywoodiana habitual. E uma vez que o filme pontua a efemeridade, a transitoriedade da vida, achei que ouviria a palavra Vergänglichkeit, pois ela fica presente o tempo todo, mas não sei se ela chega a ser dita. Grande parte é falada em inglês, não há como fazer um alemão se comunicar com uma japonesa de outra maneira, apesar da comunicação entre eles ter ido muito além das palavras. É um inglês com sotaque, porém. E ainda ouvimos um pouco de japonês. Essa Babel me fez pensar em como acho estranho os relacionamentos em línguas diferentes. Fica um certo estranhamento no ar, para mim só é possível um relacionamento de verdade na nossa língua materna, as nuances, as palavras que nos são familiares desde que começamos a falar já são impróprias para traduzir as coisas indizíveis que tentamos em vão trazer para o palpável. Mas aprendi que há outras vias de comunicação, infinitas, caminhos alternativos mudos. Vergänglichkeit me marcou por um poema do autor barroco alemão Hoffmannswaldau lido há anos idos, que não esqueci nunca, essas coisas estranhas que não se sabe por quê grudam na memória da gente, e um dia descobrimos porquê. O poema é o Vergänglichkeit der Schönheit, A transitoriedade da beleza, a beleza que a morte fria destrói, que enfim é a transitoriedade de todas as coisas, das cerejeiras que ficam maravilhosas floridas, mas por poucos dias, de tudo que somos capazes de fazer, sentir e causar, tudo tem fim, o que é material envelhece, enferruja, decai, o que não é arrefece, fica amargo, ou simplesmente finda, porque é o destino de tudo – passar. Então pulo lá para Shakespeare, para o Carpe Diem, a sede de viver hoje, intensamente, nem que a sede seja tão premente que leve a tomar o copo de veneno, pois tudo nada mais é que sonho de uma noite de verão. Estendo a mão.

2 comentários:

Luci disse...

100comentarios!
gostei da imagem
bj

Suzi disse...

tim, tim!