segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Sem ter para onde voltar


Há muito tempo eu não fazia uma viagem tão longa de carro. Não tenho uma noção exata, mas acho que foi perto de 3000 quilômetros rodados em 20 dias de muito, muito sol e calor.

Passei por quatro estados e os muitos quilômetros rodados pareceram poucos. O cansaço natural da viagem acabava ficando oculto no meio do tanto que há para se ver. E pela boa companhia.

Vou dizer o óbvio - o Brasil é enorme. O Brasil da Bahia para cima não é o mesmo país que São Paulo, que por sua vez não é o mesmo país que o Paraná para baixo.

Aprendemos muito pouco sobre o Nordeste se não formos buscar o adicional. Além das óbvias capitais, todas diferentes umas das outras - cor de mar, textura de areia, vida urbana, prédios e a ausência deles, povo - as cidades menores e as minúsculas são as delícias de se ver. Algumas parecem saídas dos livros de Jorge Amado, outras das novelas, outras mostram o país que não gostamos de ver. Mas em geral vi pouca tristeza, respira-se um certo conformismo servil, resquício talvez de tempos idos ou de preconceitos ainda tão em voga.

As estradas obviamente não são highways, mas bem transitáveis. E vão passando frutas, plantações, comidas, cheiros, pessoas de formatos e humores dos mais variados. Coco, coco, coco. Caju, caju, caju. Cana, cana, cana. Acarajé. Tapioca. Bode, galinha caipira, peixe, peixe, peixe. Mangue. Rio. Braço de mar. Ponte, viaduto, pousada, hotel, motel, o camping que não vingou, travesseiro dentro do carro.

Sol, sol, calor. E um quê de celebração de vida, ainda que saibamos o que tem por trás do que vemos sorrir.

Acampamentos de sem-terra, cruzes na estrada. Gente humilde e cansada. Estradas esburacadas, perigos no caminho, às vezes chuva, trovoada. Percalços e o cansaço, sono, sono, sono.

E o mar impávido vai mudando suas máscaras sem perder a majestade, absoluto, perene, ainda que paradoxalmente mutante a todo minuto, menor ou maior, mais longe ou mais perto, mais sereno ou menos amigável, convidativo ou perigoso.

E como não podia deixar de ser, horas rodadas criam avenidas na mente, e a viagem interna foi com certeza de todas a mais surreal.

Nós criamos um mundo e depois viajamos nele. A expectativa não pode deixar de crescer, por menos que queiramos, e quanto mais a evitamos mais ela salta aos olhos.

Viagem é aprendizado. Viagem na alma, nossa e alheia, é o teste para saber se aprendemos. E nunca aprendemos tudo de uma vez.

Desta vez aprendi que falta tanto ainda, que temos medo, damos um passo para frente e dois para trás. Depois de saltar de olhos fechados procuramos desesperadamente alguma coisa em que nos agarrarmos. E as "coisas" estão ao longo do caminho todo, e acabam nos atrasando no caminho que parecia livre de "coisas" antes de nos atirarmos nele.

Quanto mais vivemos mais cautelosos ficamos. Mais suscetíveis, desconfiados. Já sabemos o que é dor e ela não tem graça nenhuma. Então arreganhamos os dentes, afiamos as garras e levantamos os muros.

A viagem fica difícil. Paramos onde talvez deveríamos ter continuado e deixamos que o prenúncio de mau tempo nos impeça de sair, e perdemos os espetáculos - e ainda acaba nem chovendo.

E sol, sol, calor. Não se pensa impunemente, então não nos expomos com medo das queimaduras.

Mas o mar é convidativo apesar do aviso de perigo - tubarões, correntes fortes. E acabamos só molhando o pezinho sem mergulhar de cabeça.

Passei por todos os estados, com cores, dores, texturas, sensações, ausências, pequenez e grandeza.

E os inevitáveis buracos na estrada, que podem ter custado um desvio não previsto de destino.

E no entanto, quem sai de viagem sabe que vai haver percalços, perigos, turbulências de vôo, camas não muito confortáveis, sabores e cores diferentes.

O buraco na estrada que eu pensei que era uma cratera acabou relevando-se transponível, até um certo ponto. Só não sei se essa estrada leva ao destino planejado a princípio.

Mas estou a passeio.

Aprendi também que o caminho inesperado pode ser ainda mais enriquecedor. E de desvio em desvio, acabo chegando aonde eu quiser chegar. Ou para onde a estrada me levar.

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