"Circe, Circe, how dare you tell me to treat you with any warmth? You who turned my men to swine in your house and now you hold me here as well - teeming with treachery you lure me to your room to mount your bed, so once I lie there naked you'll unman me, strip away my courage! Mount your bed? Not for all the world. Not until you consent to swear, goddess, a binding oath you'll never plot some new intrigue to harm me!"[Ah, claro, se ela prometer tudo bem.]
Ter referências. Demoramos muitos anos para construir um acervo cultural individual, leituras que fazemos por obrigação, coisas que vemos porque são esfregadas na cara da gente, coisas que estudamos porque temos que. E obviamente tem as que escolhemos e essas acabam determinando o que nos tornamos. Os arquétipos sempre me fascinaram, vejo-os como matrizes, como se fossem formas de fazer personalidade, moldes de pessoas, e é interessante que até fisicamente, costumamos grudar rótulos nas pessoas até pela aparência, e algumas referências estão tão internalizadas, tão integradas ao imaginário coletivo, que mesmo os que têm menos acesso – seja por falta de oportunidade ou de vontade – usam. Bom é ter consciência, porque torna a vida muito mais rica, mas também tem seu lado obscuro. Hoje não consigo mais pensar simplesmente no que é pelo que é, minhas referências vão aparecendo como se eu estivesse fazendo um download, saber não tem mesmo volta, não existe des-saber, o que é lastimável, porque seria muito útil. Mas os arquétipos. Não tenho a menor pretensão de discutir isso, por falta absoluta de competência e extensão limitada de conhecimento, eu só fico na superfície mesmo e aplico o que me interessa. Andei pensando sobre Ulisses, Circe e Penélope. Na verdade a princípio pensei em todas as mulheres da vida de Ulisses, tão diferentes, deusas, ninfas, feiticeiras, e a mulher com quem ele se casou. Não é à toa que ainda existem as mulheres “para casar”. A mitologia, a religião, o Estado, tudo o que enfia coisas nas cabeças mais desavisadas – e nas nem tão desavisadas mas distraídas – pregam coisas do tipo desde sempre. O que me leva a pensar se tivéssemos realmente liberdade de pensamento sem influências externas de qualquer tipo, que espécie de mundo construiríamos? Sem referências, só o que sai de dentro da cabeça de cada um? Bom, já viajei, isso não vai mesmo nunca ser possível, voltando às mulheres do Ulisses. Toda mulher tem um pouco de cada uma, mas Circe e Penélope são dois opostos que vivemos ao mesmo tempo muitas vezes sem perceber, porque seria óbvio que as duas não podem estar presentes ao mesmo tempo. E se eu soubesse um pouco de psicologia, arriscaria dizer que o único amor perfeito do homem é a mãe, a mulher que não é a mãe é a prostituta, e ele tem que se casar com aquela que se assemelha ao máximo à sua mãe, e seu objetivo final é transformá-la em mãe também, e zás – tédio mortal. Mas eu não sei nada de psicologia e isso é tudo chute. Eu gosto mesmo é da Circe. Algumas vezes – muitas – fui e ainda sou Penélope, acho lindo, tecer e des-tecer, esperar pelo amado à beira do mar olhando o horizonte – mas, como assim? DEZ anos? Quem espera dez anos alguém que está brincando de outra coisa? É linda a idéia, o “conceito”. Mas, né. A Circe se diverte muito mais. Ela transforma homens em porcos! Ela tem a taça do néctar irresistível (ainda que o chato do herói a recuse)! São escolhas, e saber que elas existem dá a oportunidade de fazê-las, acho que este é o ponto, mas não sei nada da formação do imaginário da sociedade ocidental civilizada. Eu só quero mesmo é me divertir. E afinal, a escolha mais interessante ainda é não fazer a escolha, é ficar com elas todas, Penélope, Circe, as sereias, Calipso, porque todas elas moram em nós, todas nos tiram do vazio dos dias que são áridos, e nos situam nos olimpos de viver.