terça-feira, 13 de abril de 2010
O outro lugar
Os dias vão ficando mais frios, o que é cíclico vai se revelando, eu vou observando o desenho da cidade que se altera, as crianças que crescem, as pessoas que vêm e vão, os livros, os filmes, as peças de teatro, a vida vai acontecendo neste nível de “real” em que vamos nos inserindo, recebo más notícias, corro atrás das soluções, resolvo o dia-a-dia, as coisas se deterioram, a administração doméstica, a manutenção dessa vida é trabalhosa.
Mas existe um outro lugar para onde vou em alguns momentos que não são nem milagrosos, nem especiais, nem decisivos, são até bem comuns, se estiver distraída nem percebo que mudei de lugar, mas quando estou lá eu sei. Eu sei porque o endereço é conhecido, determinados acontecimentos são o caminho para ele. Então quando há coisas no ar, já sei que estou embarcando.
Certas coisas, apesar de acontecerem nos mesmos lugares físicos onde vivemos todos os dias, com o mesmo ar que todos respiramos, as mesmas roupas que vestimos para fazer coisas bem pouco sublimes, parecem acontecer em dimensões paralelas. E como dizer o indizível? Qualquer coisa que se diga não traduz jamais o que de fato acontece, que é imaterial, e não se encaixa em nada que tenha nome.
E no entanto, aqui na superfície, continuo fazendo tudo que precisa ser feito, tudo que quero fazer e tudo o que faz parte de ser. Mas há esses momentos vividos nesse outro lugar que acompanham em segundo plano a minha existência. Eles ficam ali, sub-reptícios, secundários, background, subjacentes, como música de fundo. E são eles o real motivo porque suporto tudo o que carrego no “real”. São raros, estranhos, complicados, escorregadios, às vezes uma verdadeira armadilha. Tiram o fôlego e embaçam o rumo a tomar, não existem em outro lugar nem tempo que não seja neles mesmos. E por serem uma forma tão profunda de comunicação com outra pessoa, atestam a própria humanidade, que afinal, é isso mesmo, acho que nascemos para construir pontes para o outro. O material de que são feitas essas pontes é tão obscuro quanto o lugar onde seus alicerces são lançados. Mas a conexão é feita.
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