quarta-feira, 27 de julho de 2011

Procedere debet


O silêncio da tarde e a inquietude no coração me levam ao pré-campo de batalha. Eu quase consigo respirar o ar bélico naquele crepúsculo antes do tilintar de armas. Sim, é um campo de batalha onde as armas tilintavam, não sei se é a influência de uma leitura recente da Ilíada, mas eu quase vejo os elmos e escudos, as espadas e cavalos. Os guerreiros estão alinhados, a poeira ainda não acabou de baixar, levantada que estava com as manobras de cavalos, carros, carroças. O fogo arde em vários pontos, a fumaça sobe, da refeição que vai ser a derradeira para muitos. O silêncio impera, apesar dos milhares de homens, eles estão concentrados, pensando no que deixaram longe e se vão voltar, e não no que os espera, porque se pensarmos muito na batalha, nem entramos nela. E eu obviamente não sou o soldado raso perdido entre muitos, porque esta batalha é muito minha. Eu sou o general desse exército de emoções, vivências, desilusões, desespero, momentos de total estupefacência, por não acreditar que pode ser tão ruim - ou tão bom. Essa batalha é minha para comandar, eu passei a vida toda reunindo esse exército, fiz alianças erradas, paguei o preço, amarguei os prejuízos, cobrei os impostos, arrebanhei as fileiras, vendi a alma para comprar armas.

E hoje o silêncio cheio de almas, de vidas inteiras contidas na minha, cheio de pó de preparativos, de pó de erros e acertos, de busca, de aquisições equivocadas, estratégias mal-armadas, mapas que acabaram não levando a nenhum lugar, e que tarde eu percebi que saíam de lugar nenhum; conselhos de guerra intermináveis onde ser revelaram aliados e traidores, os cavalos, que correram por tanto tempo dentro da minha cabeça, os cavalos-pensamento desgovernados que acabaram me fazendo desmontar neste campo, onde estou à frente. Os generais devem ir à frente de seu exército, e me custou tanto entender isso, eu que sempre mantive escoltas e comitivas que me precederam.

Não mais. O ar rescende a sangue, suor e lágrimas. Pólvora, ferro e fumaça. Determinação, confiança e coragem. Neste limiar onde faltam tão poucas horas para a luta, não há mais retorno. E nem para onde retornar. Eu respiro fundo e não penso mais. É como dançar. Quando a gente entende que tem que deixar o corpo fazer o movimento sozinho, a gente aprende. E não existe desaprender. Uma vez no calor da batalha, é vencer ou vencer.

Alea jacta est.

2 comentários:

Luci disse...

podemos voltar ao latin? falado, escrito, pensado...e nos transportarmos aos campos de batalha, lança em punho, em plena idade media dos sentimentos...
bj

flordelis disse...

talvez as coisas resolvidas na ponta da lança fossem mais simples, Luci, esse sistema civilizado está me matando aos poucos.