quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Espantos

Eu ainda me espanto. Depois de tantos anos (nem tantos assim) vividos, aprendidos, ainda fico estupefata com tanta coisa. O comportamento infantil de quem já não é assim tão criança. A sede de carnaval como se alguma coisa mudasse, como se nesses dias fosse permitida uma lacuna na vida e depois ela seguisse como se nada tivesse acontecido. E me espanta mais ainda que algumas seguem assim mesmo. A chuva que volta a castigar a cidade, que nem deveria ser novidade, já que se tem falado tanto de mudança climática – que em si já me deixa boquiaberta porque está ficando perto demais. As traições, as pequenas e as grandes, não me surpreendem, porque não comungo com o significado inato delas, cada um tem o direito de não se trair mesmo que isso custe a dor alheia. O fato de não me surpreenderem, no entanto, não significa que não sejam punhaladas no coração. O conhecimento não me assombra, me atrai. A ignorância também não, porque muitas vezes a desejei, por ser uma bênção que não recebi, há coisas que são one-way. O que me deixa de olhos arregalados é a não vontade do conhecimento. Como assim? Por opção, cara pálida? Tudo o que escapa, foge do raso, arte, em qualquer das suas formas, leitura, conversa de horas em sintonia mental, tudo isso me é familiar. Fico sobressaltada é com a fome de vazio que transpira de quem consome pseudo-coisas, como -literatura, -cultura popular, -música. Nascimento, crescimento e morte me chamam a atenção, as associações são inevitáveis, eles dão perspectivas necessárias dentro do que mais me deixa pasma, a vida, a vida em si, o processo, o caminho, o fio que vamos conduzindo, eu não sei como. Todos os dias temos dores novas, alegrias novas, surpresas, trabalhamos, falamos, dormimos, vamos tentando resolver os percalços, os novos e os antigos, vamos batendo nas pontas afiadas que vão surgindo muitas vezes de onde nem imaginávamos. Às vezes o susto vem de sentir. A capacidade que temos de amar e de odiar é o que causa mais estranheza. Atingimos diferentes picos e vales nos dois departamentos, mas para cada um seu pico é o mais alto e seu vale o mais profundo. Uma vez assisti a este filme argentino chamado “No te mueras sin decirme adónde vas”. Já faz uns quinze anos, mas nunca esqueci, questões religiosas à parte, a personagem vai e volta à vida em reencarnações subsequentes onde encontra seu grande amor em diferentes “embalagens”. O amor vem em diferentes formas, mas está sempre lá, uma torrente que vai se manifestando. Mas o que ela mais anseia é entrar de novo na vida, estar viva, respirar, chorar, sentir o que quer que seja, mas sentir. Que isso nunca pare de nos espantar.

2 comentários:

Luci disse...

o que não me espanta é ver e ouvir vc. enqto leio... o que me espanta é eu colocar a entonação de acordo com o meu pensar, mas vc. não se espantaria...rs!!!
cara, vc. manda muito!
beijos

flordelis disse...

Você colocar sua entonação no que eu escrevi muito me orgulha. Beijos!