sábado, 3 de abril de 2010



"Esse movimento ritual de conversa é muito diferente de um exercício mental de convencimento. É uma dança cujo passo principal é deixar seu próprio sapato e, gradativamente, calçar o sapato do outro. No entanto, para fazer isso é imprescindível pisar no chão descalço. O chão, esse que é sagrado, é o lugar intermediário onde nos despimos - descalçamos - de uma identidade pessoal e nos empossamos de uma identidade plena."
Nilton Bonder, in "Tirando os Sapatos"


Todas as manhãs eu acordo e vou pondo gradativamente as máscaras que vou usando ao longo do dia. Que vivemos mascarados é fato, assim como poucos têm consciência disso, e alguns se apegam de tal maneira ao que julgam ser sua verdadeira identidade que, se por um infortúnio essa máscara - que de tão constante amoldou-se ao rosto como se de fato fosse ele - cai, perdem-se totalmente de si mesmos como se sua própria identidade tivesse ruído.
Diferentes ocasiões, diferentes companhias, diferentes máscaras. Não é ruim, quando se sabe que elas são cambiáveis, destacáveis, e quando quem manda nelas somos nós, e não o contrário. Com algumas sinto-me mais à vontade que com outras, mas todas por fim me cansam. Ainda bem que ao final do dia relego-as ao lugar delas e reencontro a mim mesma, a sem máscara, que só eu sei quem é.
E não há solidão maior que essa - somos os únicos que vemos a nós mesmos sem as máscaras, o que muitas vezes é assustador, então esporadicamente durmo mascarada.
Mas eu queria poder, na conversa, tirar a máscara e os sapatos, pisar no solo neutro descalça e de cara limpa. Afinal o que estamos fazendo aqui e que sentido faz tudo se não for através do outro? Descalçar os sapatos sem necessariamente ter que calçar os do outro é desarmante, sem máscara, então, é apavorante. Será que existe alguém com quem eu vá conseguir conversar sem máscara, sem sapatos, sem armas, sem jogos, sem a necessidade da argumentação, do convencimento, só pelo prazer de não estar calçando sapatos nem usando máscara? Será que existe alguém capaz de enxergar essa nossa verdadeira identidade que aparentemente só nós conhecemos?
Existe alguém para quem eu possa dizer, tira os teus sapatos, a tua máscara, pisa neste chão cheio de identidade plena - não minha, não tua, apenas humana - e vem dançar (aqui não vai a pontuação, não consegui concluir se é uma pergunta ou uma afirmação. Mas sei que alguém está ouvindo a mesma música que eu)

Um comentário:

Luci disse...

é utopia.
é o quase possivel que eu pressentia, mas não tangia pq, 100mascara, não se consegue (des)calçar os sapatos - pelo menos os2 pés!...rs!!! ao mesmo tempo!
sacou?!
bj